A farinha criava…
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 02/03/2010 às 00:00 | Atualizado em: 02/03/2010 às 00:00
Massilon de Medeiros Cursino*
Por muito tempo foi comum no médio e baixo rio Amazonas ouvir como solução à criação de uma família numerosa, o chavão “a farinha cria”.
Na mesa do caboclo amazonense pode faltar tudo, menos a farinha. Ela vai do chibé, do mingau da caridade às culinárias mais chiques. O tamanho do bago é inversamente proporcional à classe consumidora, ou seja, o pobre consome a do tipo baguda, a classe média, a mediana, e os mais abastados saboreiam a fina, que se presume ser a mais saborosa, numa escala que varia de brita a pó. As provenientes do Estado do Pará recebem um agrado nada convencional, farinha “espoca bode”.
Outra forma de identificar a mais agradável ao paladar é a cor, quanto mais amarelada mais gostosa é a farinha. Lembro das histórias que contavam do saudoso “Barbeirão”, que tinha banca no Mercado Municipal de Parintins. Diziam que o feirante levava lanterna para clarear a cor do produto derivado da mandioca. Tudo para atrair e persuadir o consumidor, visto que naquela época apelava-se mais para a criatividade que para o corante.
A mandioca foi, quem sabe, a maior herança da civilização indígena. A fabricação da farinha, a partir do tubérculo da planta se constitui um mistério. Até lendas povoam o imaginário popular.
“A farinha cria”: foi justamente isso que ouvi depois de tanto tempo. Na cabeça veio logo a imagem de meus pais ainda jovens com a responsabilidade de criar uma prole numerosa. Quantas vezes meu dileto pai não usou o termo para encorajá-lo a enfrentar o desafio de chefe da família? Em seguida veio a retificação ao clichê, a farinha criava, já que ao preço que ultimamente chegou, está difícil associar a farinha a um produto barato e acessível. Já presenciei lugares em que seu preço está superior ao feijão…
Se a culpa para curumim ficar barrigudo era da farinha, é melhor que se encontre outro bode expiatório, pois na atual conjuntura a farinha está mais para artigo de luxo que para enchimento de barriga de pobre!
*Economista, Bacharel em Direito e Membro da Academia Parintinense de Letras.