Bomba midiática
Publicado em: 17/12/2008 às 00:00 | Atualizado em: 17/12/2008 às 00:00
Wilson Nogueira*
O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, mostrou-se ágil ao se desviar dos sapatos atirados pelo jornalista Muntadar Al-Zaidi, durante uma entrevista coletiva, no Iraque. Muntadar, por sua vez, não deixou dúvidas quanto a sua pontaria. Todo mundo notou que os sapatos acertariam a cara do Presidente. “Foi uma bizarrice”, teria desdenhado G.W.B, na sua arrogância impecável. Explicações devem os serviços de inteligência dos Estados Unidos e do Iraque.
De todas as bizarrices do episódio, a maior é a da imprensa encaixada nos interesses de G.W.B e seus aliados, que tenta, também, desqualificar o protesto de Muntadar. “Ainda não está claro se ele recebeu dinheiro para fazer o que fez ou se estava alcoolizado ou sob efeito de drogas no momento do ocorrido”, especula uma agência européia. É brincadeira! Querem agora convencer o mundo de que a resistência iraquiana, palestina ou afegã é coisa de gente vendida, bêbada e drogada.
Muntadar não se transformou em herói por acaso. Manifestações de rua, na a Palestina e no Iraque, pedem a imediata libertação dele. Não é difícil compreender que os sapatos voadores transportaram a indignação dos oprimidos pela guerra motivada, principalmente, pelo controle das maiores reservas petrolíferas do Oriente Médio. Aliás, trata-se de um ato pacífico se comparado às bombas humanas que explodem em mesquitas, feiras e mercados das principais cidades iraquianas.
Independentemente das razões culturais, a atitude Muntadar pode ser entendida como uma bomba midiática. Não existiria situação mais melancólica para o homem mais poderoso do Planeta como a de terminar o mandato atingido no rosto por sapatos atirados durante uma coletiva de imprensa. Não se trata, a essa altura, da figura de G.W.B, ridicularizada e enxovalhada dentro do próprio Estados Unidos por sua política econômica e militar extravagantes, mas do Estado norte-americano vulnerável. Ainda que G.W.B seja um Pato Manco, alvejá-lo com sapatos e ovos sempre será estimulante aos sentimentos anti-americanos. Resta saber se a polícia que se gaba ser a inspetora do mundo sabe disso.
As interpretações que chegam até nós dão conta de que imensos setores muçulmanos estariam satisfeitos com Muntadar. As sapatadas, mais especificamente as que atingem o rosto do alvejado, para os que professam o Islã, são o pior dos insultos, e o insultante o mais magnânimo dos heróis. Por isso, o jornalista, que também é atirador de sapatos, mereceria a fervorosa comemoração em países de maioria muçulmana.
O incidente estende-se, de imediato, à postura do jornalista no exercício da profissão. Muntadar teria profanado o jornalismo e sua suposta imparcialidade. Essa discussão é longa e apaixonante, mas, antes de iniciá-la, é necessário frisar que o Iraque é um país invadido e ocupado por um grupo de potências econômicas e militares que apostam suas fichas no controle permanente do mundo. Não aprovo a violência, mas dá para entender os porquês de tanto regozijo a mais um dos inúmeros ataques bizarros ao presidente Bush.
A guerra é o limite humano. A razão não age nesse ambiente trevoso onde reina o ódio e a insensatez. Melhor mesmo seria evitá-la.
Jornalista, sociólogo e escritor.