Ciência entra no século da religação dos saberes, diz cientista
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 26/02/2010 às 00:00 | Atualizado em: 26/02/2010 às 00:00
Há um ano, numa manhã de sábado, no terraço de um hotel do Centro de Manaus, o Professor Doutor Edgard de Assis Carvalho, pesquisador da PUC-SP e professor do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam, concedeu entrevista a este TEXTOBR.COM. Carvalho faz uma exposição panorâmica da teoria da complexidade e do impacto desse pensamento na produção e condução de novos saberes. “Lembro de uma frase do [Giles] Deluze que diz: ‘O século vinte um será delusiano ou não será’. Digo a mesma coisa: o século vinte e um será o século da complexidade ou não será”, enfatizou. O principal formulador dessa teoria é Edgard Morin, pesquisador emérito do CNNRS, autor de mais de trinta livros e um dos pensadores mais importantes do Século 20. Carvalho explica que a tarefa de religar os saberes não é fácil, porque esse esforço enfrenta a resistência dos pensadores que preferem o conforto dos compartimentos disciplinares a práticas interdisciplinares. Para ele, a ciência e a produção científica devem se redirecionara à construção de uma nova sociedade, mais humana e mais justa. Confira a entrevista:
Podemos começar com uma panorâmica do pensamento complexo.
A teoria da complexidade é uma tentativa – como [Edgar] Morin costumar dizer – de percorrer todos os saberes produzidos pela cultura: a arte, a filosofia, a literatura, a ciência etc. A gente pode dizer, em princípio, que o pensamento complexo é o pensamento da religação. Essa palavra é fundamental para definir o foco da análise. O que aconteceu? Religação do quê com quê? Em primeiro lugar, a religação da cultura científica com a cultura das humanidades, uma coisa que foi separada há muito tempo e que não se consegue juntar.
Talvez Edgard Morin seja o pensador que mais sistematizou essa ideia. Falar do pensamento complexo tem muito a ver mesmo com o itinerário de Edgard Morin. Pensador de difícil definição. A imprensa, nas vezes que ele vem ao Brasil, tem muitas dúvidas em qualificá-lo. Uma hora o chamam de sociólogo, outra hora de filósofo, outra hora de pensador simplesmente, porque ele conseguiu esse empreendimento sonhado por muitos, que foi sair do compartimento disciplinar. É claro que ele é hoje um homem de 88 anos, tem uma longa trajetória. Essa longa trajetória de vida talvez o tenha levado a enveredar pelos caminhos que ele denomina de complexidade.
O que há de complexidade no pensamento complexo?
Há um problema com essa palavra, mesmo porque complexidade é uma palavra que induz em nossa cabeça (que gosta muito de dividir as coisas), uma oposição entre o que é complexo e o que é simples. Mas complexidade não é isso. Significa simplesmente aquilo que é tecido em conjunto, aquilo que religa, aquilo que, em absoluto, não é uma separação ante o que é complexo e o que é simples. Poderíamos dizer que a vida cultural, no sentido amplo, que é ela toda complexa, porque toda ela está preocupada em tecer em conjunto a esfera da vida.
Morin seria, então, o melhor exemplo desse processo…
Quando eu falo dessa questão em Morin, é porque ele é um homem nascido no século vinte e um, tem desde cedo uma formação que o levou à sociologia, era um pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Sociais da França, e começou com a sua vida de sociólogo. Antes disso, aos 25 anos, ele vai à Alemanha devastada pela guerra e escreve o seu primeiro livro, que se chama “O ano zero da Alemanha”, cuja tradução está para sair no Brasil, agora em 2009. É um livro-reportagem, é um livro de memória.
Lá, nesse livro, a palavra complexidade ainda não aparece. Ela vai aparecer anos depois. Eu diria que nesse livro você já vê, mesmo que não seja essa a palavra, a ideia da religação em andamento, em gestação. O conceito ainda não aparece, porque apostava Morin, em 1946, que poderia ressurgir das cinzas da guerra outra Alemanha, uma Alemanha socialista, um pouco mais igualitária.
A história se incumbiu de desfazer essa utopia, porque, como todo mundo sabe, a Alemanha foi dividida em dois pedaços, uma Alemanha do norte, uma Alemanha do sul, cujo símbolo maior era do muro de Berlim, cujo fim ocorreu em 1989. A utopia do Morin de que a Alemanha poderia ressurgir para um país mais igualitário e unificado não ocorreu porque a Alemanha foi fatiada, fraturada entre os aliados, o chamado sul ficou sob influência dos Estados unidos e os soviéticos ficaram com a Alemanha comunista.