Falta combinar com a Natureza
Publicado em: 24/06/2009 às 00:00 | Atualizado em: 24/06/2009 às 00:00
Wilson Nogueira*
A cheia atípica amazônica se aproxima do fim, mas os problemas que ela causou e causará se prolongarão por mais alguns meses. Cidades inteiras foram tomadas pelas águas. Milhares de pessoas se deslocaram para lugares supostamente mais seguros. Outras permaneceram expostas à insalubridade e às suas conseqüências. Ambas as situações exprimem degradação da vida. Outras vezes os rios se encherão com maior intensidade e trarão desconforto às populações ribeirinhas. Essa tragédia pode se repetir, caso não haja esforço para impedi-la.
Cheia idêntica à atual ocorreu em 1953, quando a região possuía outro cenário de ocupação humana. As cidades eram menos populosas e as famílias rurais migravam entre áreas de várzea e de terra firme. Hoje são raras as famílias que possuem propriedades nos dois ambientes. As terras mais altas estão sob domínio das fazendas de criação de gado, das monoculturas ou da especulação imobiliária. Também não há mais fartura de alimentos nas florestas e nos rios.
As populações que antes conviviam com os ciclos das águas transformam-se em flagelados constantemente. Há três anos, leitos de rios e lagos emergiram tórridos. A Pátria das Águas virou um deserto infernal. Milhares de toneladas de peixes apodreceram nos lagos. Florestas pegaram fogo. A propósito, o planeta nunca esteve livre dos períodos longos de cheias ou de estiagem. A novidade é que, de agora em diante, a tendência é de que fenômenos desse tipo ocorram com mais freqüência e sob impacto da atividade humana.
Chuvas ácidas, buracos negros e efeito de estufa não saíram da ordem do dia nas três últimas décadas. Boa parte da saliva e da massa cinzenta humanidade foi gasta com insultos entre os que defendem o desenvolvimento econômico a qualquer custo e ecologistas de matizes ideológicas diversas. Não há vencedor nessa competição típica dos seres humanos. Sem meta comum para reduzir os estragos do estilo de vida vigente perderemos todos. Os cientistas avisam: as mudanças climáticas causadas por envenenamento da atmosfera varrerão a vida na Terra.
O alarme foi acionado. Restam as providências para que se evite a grande tragédia. Mesmo que a atual cheia não venha do aquecimento global, ela é recorrente em intensidade. Sobram motivos para o Poder Público agir preventivamente em defesa das populações ribeirinhas. Manter cidades em terras vulneráveis a alagações, como Barreirinha e Anamã – ou a implantação e proliferação de bairros nas margens de rios e igarapés – constitui-se negligência. A sociedade paga muito caro pela falta de planejamento das cidades.
Faz tempo que o gestor público – desde o plantonista ao efetivado pela burocracia – tem meios e informações seguras disponíveis para se prevenir contra tragédias sociais e naturais. Mas são raros os que agem para evitá-las. A grande maioria se encanta pelos resultados imediatos da politicagem, do assistencialismo e do clientelismo, permissividade compartilhada por outros setores sociais. O correto seria combinar, antecipadamente, as ações humanas com a Natureza. Sem esse acerto, os riscos de flagelo por conta de mudanças no comportamento do Planeta serão cada vez maiores.
*Sociólogo, jornalista e escritor.