A quarta edição de Manaus: história e arquitetura (1669-1915) , de Otoni Mesquita, está ampliada e atualizada editorial e graficamente, e reflete as mudanças socioculturais ocorridas nesses últimos vinte anos, desde a primeira edição. O livro já está na estante virtual da editora.
O editor da Valer, Isaac Maciel, destaca que o livro se tornou referência às áreas da história, arquitetura e artes. “Trata-se de um clássico”, afirmou o editor.
Por meio desta obra, os leitores terão a oportunidade mergulhar na história de Manaus, desde a ocupação do rio Negro pelos portugueses, um posto militar avançado para vigiar, controlar e escravizar os indígenas, até a sua almejada condição de Paris da Selva , no período áureo da borracha.
No século 20, Manaus emergia, no meio da floresta, como um centro urbano com ares da modernidade europeia: largas avenidas iluminadas por eletricidade, bondes, automóveis e cafés.
As elites locais, misturadas às levas de estrangeiros, assumiam ideias e costumes da belle époque .
Os vestígios da infraestrutura, arquitetura e cotidiano dessa época estão registrados em fotografias e gravuras que enriquecem o livro em informação e estética.
Mesquita é professor e pesquisador aposentado da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e também mobilizador de ações disseminadoras dos valores do patrimônio material e imaterial de Manaus.
Nesse sentido, o autor tem uma trajetória exemplar nas áreas da literatura, da fotografia, das artes plásticas e do teatro.
“Este é um livro crítico, uma prova de cidadania, pois Otoni Mesquita é um autor que sempre assumiu compromissos, conforme os conhecimentos e emoções obtidos por meio da sua atuação política, artística e profissional”, acentua, na orelha da obra, a filósofa Neiza Teixeira, integrante do Conselho Editorial da Valer.
A narrativa de Mesquita, por sua vez, é elegante e profunda, e, por isso, consegue cativar leitores com variados gostos e interesses. Alia-se a esse estilo, o qual flui e aguça as inquietações do leitor, a apresentação gráfica cativante, a começar pela capa de autoria do próprio autor, composta a partir de um detalhe de um cartão postal do Teatro Amazonas, assinado pelos fotógrafos Huebner e Amaral.
O projeto gráfico, assinado pela designer Lícia Gonçalves, equilibra os espaços vazios e as manchas gráficas e, assim, convida o leitor a percorrer a obra com leveza e prazerosa experiência estética.
Quanto à revisão da obra, Mesquita explica que se fez necessária em razão do dinamismo da própria cidade, com seus avanços e retrocessos. “Verificam-se alguns avanços no aspecto da conservação e restauro, com a recuperação de algumas obras relevantes, assim como o tombamento de quase todo o centro cidade. Contudo, ainda se verifica a acelerada descaracterização de parte das obras, assim como do ambiente natural, com agressão às matas ciliares e à qualidade das águas dos igarapés urbanos”, explica o autor na Introdução a essa edição.
Maciel disse que a reedição de Manaus: História e Arquitetura(1669-1915) atende a uma demanda do próprio mercado, haja vista o esgotamento da edição anterior havia alguns meses. O livro, segundo ele, é requisitado tanto por leitores interessados em conhecer a história de Manaus quanto por pesquisadores e professores, que o adotam como referência em seus estudos (ler entrevista ).
Entrevista
Obra para estimular
novas pesquisas
Professor, qual a sua expectativa em termos de recepção para esta quarta edição?
As expectativas são as melhores possíveis. O trabalho foi inicialmente defendido em 1992, como dissertação de mestrado, contudo, a primeira edição ocorreu somente em 1997. Compreendo que desde lá, o interesse pelo tema tem se ampliado consideravelmente, não somente pelo surgimento de vários cursos. O curso de arquitetura da Ulbra se instalou somente em 1991 e o curso de arquitetura da Uninorte, no início do século 21. No entanto, cursos, como turismo, geografia, história, comunicação e artes, além de outros demonstraram grande interesse pelo tema, destacadamente pelos aspectos históricos da cidade e seu patrimônio arquitetônico. Nesse sentido, penso que o trabalho de vem auxiliado estudantes e profissionais de diferentes áreas, bem como estimulado estudos e pesquisas na área. A terceira edição data de 2006 e já se encontrava esgotada há alguns anos e com muita frequência solicitavam.
Em relação às edições anteriores, quais mudanças foram necessárias?
Não houve uma mudança estrutural no trabalho. Mantive a divisão original do trabalho, trato das três fases da cidade, ou seja; ocupação; monarquia e república. Nesta nova edição foi possível fazer alguns ajustes e ampliações, bem como o deslocamento de texto para favorecer a compreensão das mudanças processadas na cidade, bem como algumas transformações ocorridas nos últimos vinte anos. Dentre outros aspectos, posso ressaltar o relevante papel atribuído ao patrimônio arquitetônico da cidade, levando a fazer algumas reflexões sobre o tema, sobretudo, em discussões ocorridas em eventos universitários.
Nesse sentido, procurei ressaltar um pouco mais os dados referente a cronologia histórica do lugar, destacando as referências sobre a origem do lugar, assim como ampliações do texto referente a igreja Matriz, Mercado Adolpho Lisboa, Biblioteca pública, Teatro Amazonas e algumas outras construções. Além disso, foram substituídas várias imagens e acrescentadas várias outras.
Essa obra e suas atualizações refletem um pouco suas inquietações como professor, pesquisador e cidadão. É isso mesmo?
Sim, sem dúvida. Muitas inquietações foram animadas pelas discussões entorno de variados aspectos da cidade tratados inicialmente no mestrado e posteriormente na Universidade do Amazonas e na Ulbra, antes do surgimento das várias outras universidades, com seus diversos cursos interessados no tema. Inicialmente, era uma abordagem teórica e afetiva de alguns aspectos da cidade. Logo se transformou num compromisso com a preservação da cidade, uma busca da valorização de sua identidade e sua memória, portanto, uma postura de cidadão. Sem dúvida, foi muito importante minha participação na Coordenadoria do Patrimônio Histórico do Amazonas, em 1997/1998, quando tive oportunidade de estudar um pouco mais sobre alguns problemas específicos da área, assim como buscar soluções, nem sempre técnicas.
Em síntese, qual é a reflexão que este livro pode sugerir aos leitores atualmente?
Pode parecer pretencioso, mas acredito que esse trabalho poderá apoiar o trabalho de profissionais e estudantes de diferentes áreas vinculadas a cidade. Considerando que é resultado de um exaustivo trabalho de levantamento, cujos dados históricos podem ser refletidos e constituir amplos argumentos sobre o processo de transformação do lugar, levando em consideração aspectos da memória e da identidade. Nesse sentido, espero que o trabalho estimule novas pesquisas e aprofunde diferentes aspectos enfocados.
Manaus, como projeto da modernidade, parece um projeto inacabado. Quais as consequências desse fracasso, caso o senhor considere essa afirmativa correta?
Sim, todo o processo ocorrido na Amazônia, na passagem do século XIX para o XX, nos levar a interpretar a modernidade instalada como um projeto de consumo, que foi interrompido pela perda do monopólio da borracha (nossa garantia para obter financiamentos e outras benesses) e esse fato deixou claro que o progresso e a modernidade estavam intimamente vinculados com os aspectos financeiros. Um sistema de dependência econômica no qual a região era mera consumidora. Mera expansão do mercado consumidor, no qual se priorizava a aparência das coisas, baseado no embelezamento e na modernidade propostos pela cultura europeia. Portanto, um mercado de bens e serviços, em geral, importados.
Por outro lado, é lamentável que tal processo desprezou significativos elementos da região, assim como as características da própria natureza e as tradições das populações nativas. Pode parecer contraditórios quando, por um lado, criticamos e ressaltamos os prejuízos do processo e por outro, clamamos pela conservação desses monumentos de uma história, que em grande parte oprimiu e subjugou. Contudo compreendemos que esses indícios materiais também são parte significativa de nossa identidade, que não termos como apagar e apoiam em grande parte a memória do lugar. Para concluir esse comentário histórico alerto que não é para lamentar, nem se indignar, mas refletir e compreende. Quem sabe assim possamos evitar a repetição de tantos erros.