Pesquisadora Thaís Brianezi
A editora Valer (Manaus-AM) lançará, ainda neste começo de ano, o livro Zona Franca: ame-a ou deixe-a em nome da floresta , de Thaís Brianezi (foto), resultado de pesquisa científica sobre as mudanças discursivas em defesa desse modelo de desenvolvimento econômico regional, criado para durar trinta anos, e que já está prorrogado para até 2073.
No conjunto, o livro sugere que, para além de uma defesa plebiscitária, empresários, políticos e demais forças sociais deveriam debater uma verdadeira sustentabilidade econômica, social e ecológica para o modelo.
O subtítulo da obra, como define a própria autora, é uma provocação – e revelação – a respeito da discussão de mão única entre aqueles que amam e aqueles que odeiam a ZFM (Ler entrevista com a autora ).
A tese de doutoramento de Brianezi, agora em livro, foi defendida em 2013, no Programa de Ciência Ambiental da USP (Procam), vinculado ao Instituto de Energia Ambiente (IEE).
Brianezi se interessou pelo tema desde a sua passagem, na condição de jornalista, por empresas de comunicação e de assessoramento governamental e não governamental na região.
Assim, tornou-se uma observadora atenta – e logo em seguida uma pesquisadora rigorosa – das metamorfoses discursivas da relação entre a ZFM e o debate ambiental internacional.
A investigação do tema, delimitada entre 2007 e 2010, envolveu uma rigorosa revisão literária e pesquisa de campo.
No primeiro caso, Brianezi contextualizou a análise do discurso enquanto prática social e retórica a partir do filosofo francês Michel Foucault e seus principais interlocutores.
No segundo, analisou: 265 pronunciamentos de parlamentares do Amazonas no Congresso; 266 matérias publicadas sobre o tema no jornal a Crítica (Manaus/AM); quinze das dezenove edições da revista institucional Suframa Hoje disponíveis; realizou entrevistas com gestores públicos e empresários da ZFM e observou reuniões e eventos empresariais nacionais e internacionais vinculados a esse debate.
O prefaciado do livro e orientador da tese, professor doutor Marcos Sorrentino, afirma: [a tese de Brianezi] “conquistou elogios unânimes de toda a banca de avaliação” […] “considero-a um presente para o leitor, que poderá ao mesmo tempo em que conhece a Zona Franca de Manaus (ZFM), a sua realidade socioambiental e os argumentos diversos em sua defesa, também ter contatos com textos, muito bem alinhavados nesta obra, sobre o discurso enquanto prática social e sobre distintas categorias dos discursos ambientais”.
O sociólogo e escritor Wilson Nogueira, que assina a orelha da obra, acentua: “Brianezi percorre, orientada por sua experiência jornalística e refinada formação científica, esse intricado mundo das armadinhas discursivas nem sempre republicanas, até perceber o mito, tocá-lo e revelá-lo […] Será possível agora, por meio deste livro, entender as falas que disseminam meias-verdades, as quais, no final das contas, só atrapalham o conhecimento correto da realidade”.
Nogueira destaca ainda que Brianezi, por meio desta obra, também traça um perfil da imprensa tradicional, que se apresenta como mediadora dos interesses das elites empresariais e política da região. “Setores importantes da sociedade, como as populações tradicionais (indígenas, ribeirinhos, quilombolas, favelados etc) são alijados desse debate, como demonstra Brianezi”, interpreta Nogueira.
O editor Isaac Maciel disse que Zona França: ame-a ou deixe-a em nome da floresta é uma obra resultado de pesquisa científica que não poderia ficar apenas nos escaninhos acadêmicos. “Vimos que se trata de uma obra importante e esclarecedora dos porquês desse vaivém entre ataques e defesas da ZFM. É uma obra que merece ser lida com muita atenção”, disse.
Entrevista
O que levou a senhora pesquisar esse tema?
Sou jornalista (formada pela ECA/USP, em São Paulo) e durante o mestrado (realizado no Programa de Sociedade e Cultura na Amazônia, na UFAM) atuei como correspondente da então Radiobrás (hoje Empresa Brasil de Comunicação – EBC) na região Norte. Nesse contexto de debates acadêmicos a respeito da temática socioambiental e de cobertura dos conflitos relacionados ao tema na região, foi que concebi o projeto de pesquisa com o qual ingressei no doutorado em Ciência Ambiental (no Procam/USP): estudar como a agenda das mudanças climáticas era apropriada pelos movimentos sociais, ONGs e empresariado no Amazonas. Ao longo do trabalho de campo inicial, ainda na fase exploratória, percebi que havia muito material de estudo relativo ao chamado esverdeamento do discurso de defesa da Zona Franca de Manaus e decidi aprofundar minha tese nesse tema.
Além do propósito acadêmico, qual a sua expectativa quanto a inserção do livro no debate sobre a ZFM?
Espero poder contribuir para uma maior abertura no debate sobre a Zona Franca de Manaus, resgatando importantes estudos anteriores, que ajudam a dar a perspectiva histórica da trajetória do modelo e também um olhar crítico e contextualizado sobre ela. Meu desejo é que a sociedade amazonense (mas não apenas ela) consiga realizar um diálogo verdadeiro sobre os desafios e potenciais da ZFM, rompendo com o tom plebiscitário polarizado que marca os debates atuais – e que está presente, como provocação, no título do livro: “Zona Franca de Manaus: ame-a ou deixe-a”.
A preservação da ZFM esteve, nos últimos anos, vinculada à preservação da floresta amazônica. Qual a perspectiva discursiva hoje?
Ainda é cedo para fazer qualquer afirmação categórica, porque o Brasil (e o Amazonas) vem passando por mudanças políticas e institucionais recentes. De qualquer forma, dá para imaginar que o fortalecimento da presença e do discurso militar no governo federal e o novo posicionamento diplomático brasileiro em relação às questões ambientais possa gerar uma tensão no discurso de vinculação entre a ZFM e a proteção da floresta. Ou, então, um novo deslocamento dele, fortalecendo suas dimensões nacionalistas e integracionistas. Quem viver e observar, verá.
Quais revelações da sua pesquisa quanto a relação entre a ZFM e a preservação da floresta amazônica efetivamente?
O discurso de que a ZFM contribui com a preservação da floresta é apoiado em estudos econométricos sérios e metodologicamente consistentes, porém enviesados. Ele se construiu como uma estratégica de legitimar publicamente a prorrogação da Zona Franca de Manaus, que estava em processo de discussão no Congresso Nacional. Seu argumento central é de que a concentração da população do Amazonas na capital, em virtude do mercado de trabalho gerado pelo Polo Industrial, contribuiu para evitar o desmatamento no interior. Esse raciocínio tem fundo conservacionista, de oposição entre ser humano e natureza, desconsiderando a existência e importância dos chamados povos e comunidades tradicionais para a proteção da floresta e, também, a pressão do avanço do agronegócio no sul do estado. É um discurso que tenta se aliar à emergência do discurso de modernização ecológica vivenciado internacionalmente pelo campo ambientalista, concretizado na agenda da chamada economia verde. Mas, mesmo nessa tentativa, ele entra em contradição: o PIM não utiliza de maneira estratégica os ativos da biodiversidade local nem é exemplo de eficiência energética, tratamento de resíduos ou uso responsável dos recursos hídricos.
Qual o papel da imprensa regional na disseminação dos discursos que sustentam o modelo ZFM?
No que diz respeito ao debate sobre a Zona Franca de Manaus, a pesquisa mostra como a imprensa regional tem atuado como porta-voz da elite econômica e política local, contribuindo de maneira decisiva para o contexto plebiscitário das abordagens a respeito do Polo Industrial. Qualquer crítica é retratada de maneira negativa, como uma posição do inimigo (“os paulistas”) que quer destruir a ZFM. E as denúncias de ameaça ao modelo, pautadas pelos empresários ou ecoadas pela bancada amazonense no Congresso Nacional, são publicizadas com destaque e sem contrapontos. O papel da bancada amazonense nessa disseminação, aliás, é algo peculiar que o livro também aborda: a ZFM é um caso raro de agenda que une regionalmente partidos de todos os espectros políticos.
Quais as maiores contradições desse modelo, na sua opinião?
O faturamento do Polo Industrial de Manaus é majoritariamente de empresas multinacionais, cujas sedes nacionais se encontram via de regra na região Sudeste, principalmente em São Paulo. Seus produtos principais são eletroeletrônicos que não utilizam de maneira significativa as matérias primas regionais e se destinam majoritariamente ao mercado consumidor do Centro-Sul do país. É um modelo que não é controlado pelas elites locais do Amazonas – e menos ainda tem compromisso efetivo com o desenvolvimento econômico e social de sua população, mas do qual a maior parte dos empresários e trabalhadores do estado dependem. Isso explica a dificuldade em debater regionalmente as perspectivas da ZFM ou batalhar por novos rumos ao modelo, buscando de fato sua sustentabilidade: há sempre o medo, eu diria até a chantagem, de que os incentivos fiscais acabem ou deixem de ser vantajosos e as empresas deixem a região, gerando desemprego em massa.
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