Meu busão de cinco gigas
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 26/09/2010 às 00:00 | Atualizado em: 26/09/2010 às 00:00
Neuton Corrêa*
Que brincadeira tola! De longe, observava as crianças. Elas olhavam para os carros, apontavam o dedo para eles e riam. Não, não riam! Riso é pouco: elas caíam na gargalhada. Haviam acabado de sair da escola. Umas atravessaram a rua se arriscando entre os carros; outras, esperavam o trânsito acalmar. As que conseguiam cruzar a pista, em meio ao perigo, zombavam das outras, que ameaçam ir, mas recuavam. Cada impulso que faziam, valia um empurrãozinho.
Bem antes disso, elas já se divertiam à toa. Quando passaram do portão da escola para a rua, os meninos apareceram se chutando, como franguinhos de terreiro, puxando briga um com o outro. As meninas eram mais centradas e se ocupavam a conversar não sei o quê, mas devia ser um assunto animado, porque riam de tudo.
Enquanto elas se divertiam, do outro lado da rua, na parada de ônibus, eu ficava apreensivo. Cada moleque que se desgarrava do grupo para enfrentar o perigo dos carros ia me deixando nervoso. Pensei até em me encorajar para pedir-lhes que só atravessassem em segurança, mas sei que se botasse para fora o que pensava também viraria piada.
Mas, se rissem de mim, eu entenderia. Eles não saberiam que, enquanto olhava para eles, lembrava de uma cena que se passou ali, no início do ano letivo de 2002, portanto, há oito anos. E, talvez, nem oito anos de idade o mais velho deles tivesse.
Naquela tarde de um dia de fevereiro, daquele mesmo ponto, via aquela mesma cena com personagens diferentes: o menino, de mochila nas costas, atravessou a rua correndo e provocou os outros a ousarem como ele: dois seguiram sua coragem, um foi e voltou e, ao decidir partir, foi apanhado por um micro-ônibus.
Meu filho, àquela altura com seis anos de idade, apertou a boca e molhou os olhos. Nem tive tempo de acalmar-lhe com deveria, porque corri para me juntar às outras pessoas que, desesperadas, tentavam suspender o veículo para retirar o menino dali debaixo. Depois de muita força, ele foi socorrido e não sei o que aconteceu depois.
A tristeza que senti ao lembrar-me dessa tragédia me tirou tanto de tempo que nem percebi a meninada sumir do outro lado da Timbiras para se amontoar ao meu lado. Na verdade, foram eles que me trouxeram ao presente, quando voltaram a fazer piadas perto de mim. Dessa vez, ouvi. Olhavam para os carros e diziam: “Aquele é de um byte (lê-se: baite)”, “aquele é de um mega”, “aquele é de 512 megas”, “aquele é de um giga”. Lembro que quando passou uma carreta, um dos moleques gritou: “aquele é um de cinco gigas”. Ninguém aguentou.
Foi só aí que entendi a piada. As crianças estavam associando o tamanho dos carros à linguagem dos computadores: um carro pequeno, por exemplo, valia, para eles, um kilobyte (pequena unidade de informação de um computador); um megabyte, mil e vente e quatro kilobytes a mais; um gigabyte, um bilhão de vezes mais. E por aí vai.
Eu, prontamente, fiz meu raciocínio e acessei a brincadeira deles: quando pego um micro-ônibus, viajo num businho de um kilobyte; viajar num ônibus convencional significa andar num busão de 512 megabytes, enquanto um expresso biarticulado, agora, chamo-o de busão de cinco gigabytes.
Fazendo esse raciocínio, vi meu ônibus de cinco gigas aparecer, com a memória carregada, e, sentindo-me um garoto de um byte, embarquei.
*Filósofo, jornalista, escritor.