“O estado não é o único balizador do conhecimento científico”

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 26/02/2010 às 00:00 | Atualizado em: 26/02/2010 às 00:00

Os financiamentos das pesquisas não travaram essa ideia de intelectual independente?
Há duas entradas. A primeira é com a palavra intelectual. Aí, você tem autores interessantes aí da França e dos Estados Unidos. [Eles] falaram dos intelectuais, radicalizaram que os intelectuais são traidores históricos. Morin relativiza um pouco a ideia e dá uma definição de intelectual mais preciosa. Ele diz que há o intelectual que ousa sair do compartimento disciplinar para fazer reflexões sobre antropolítica. Esse é o sentido da palavra do verdadeiro intelectual. O intelectual que é competente na sua área, mas ousa sair dela para refletir sobre problemas mais amplos do seu mundo, da sua história, da sua cultura. Esse é um lado.

O outro lado que se fala, é o lado do intelectual e as instituições. Eu sempre acho que os intelectuais têm que ser livres. Intelectuais que se submetem a regras do tecnopoder sempre têm limitações na sua criatividade. As tecnologias do poder científico localizadas no aparato de estado, elas estão voltadas para essa tecnociência cuja velocidade é considera crescente a cada dia. Em nome do chamado progresso científico, você vai fragmentando cada vez mais, construindo que falam muito de mundos infinitamente pequenos, sabem pouquíssimo e vai criando tecnologias de pesquisa que premiam esse tipo de pensadores. Há a contrapartidas? Há. Há contrapartidas que não são hegemônicas.

Volto a insistir um pouco na idéia de brechas, uma idéia do próprio Morin, na idéia de dissipação, uma idéia de [Ilya] Prigogine, que dizem que são pelas brechas e pelas dissipações que uma concepção um pouco mais humanista vai poder, talvez, dizer a verdade ao poder. Eduardo Said, que você conhece, nesse livro que se chama “Os intelectuais e o poder”, ele fala isso: o intelectual está premido, está pressionado dentro de duas lógicas. Uma lógica da convenção, aquela que diz amém a tudo aquilo que vem do estado. Eu acho que o estado não é o único balizador do conhecimento científico. Há outras instituições que balizam o conhecimento muito melhor que o estado.

Precisamos acabar com essa perspectiva estadocêntrica. Acho que o estado não é o centro do comando conhecimento, diz o Said. Há o outro lado dos intelectuais que é comandado pela lógica da audácia. Esses é que são os dissipadores, os que criam novas formas de potencialidades, novos rumos para os saberes e novas religações. Essa imagem do Said, a do intelectual exílico, é a do intelectual que está submetido à lógica da audácia, não à lógica da convenção. Podemos polemizar dizendo: é mais fácil submeter-se à lógica da convenção? Claro que é. Você fica muito mais tranqüilo. Pode obter mais verbas, pode obter mais consenso na sua área. Agora a pergunta que se faz é se isso é a verdadeira vocação do conhecimento. Não vamos fazer saudosismo à Paidéia grega, que é a religação de todos os saberes, mas eu acho que essa ideia de uma nova Paidéia é um novo horizonte, um dos horizontes para o pensamento complexo.

Amazônia tornou-se, nos últimos tempos, talvez o lugar mais lembrado do Planeta. O que o senhor acha disso?
É o mais lembrado porque se criou a ideia de que aqui as grandes reservas bioculturais do Planeta. Toda vez que você diz isso, a cobiça internacional cai aqui de unhas e dentes. Inclusive por meio de políticas nacionais, porque eles [os formuladores dessas políticas] não entendem bem quando isso aqui não implica só a preservação da Amazônia enquanto tal, mas a preservação do Planeta no conjunto. Se nós conseguíssemos enxergar a Amazônia, dialogicamente, ligada a essa idéia de uma ética planetária, todas as políticas que seriam desenvolvidas aqui teriam outro teor. Há que se preservar mesmo as populações indígenas, as reservas de memória para as futuras gerações.

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