“O intelectual precisa reformar o seu pensamento, pensar de outra maneira”

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 26/02/2010 às 00:00 | Atualizado em: 26/02/2010 às 00:00

Qual seria o resultado da religação? Ou por que religar?
O intelectual precisa reformar o seu pensamento, pensar de outra maneira. Abdicar uma pouco dessa ideia de que a disciplina é única forma de explicitação por meio da qual o pensamento é veiculado. A visão disciplinar – Michel Foucoult já discutiu isso brilhantemente num livro chamado Vigiar e punir – é um território de poder. Esse território de poder está solidificado, consolidado. As idéias da complexidade entram pelas brechas, pelas dissipações, pelas possibilidades que a própria universidade tem de fazer disseminar essas idéias. Elas são disseminadas, talvez não de uma maneira explícita, na física, na química, na matemática, na biologia, na ciência política, na antropologia e na sociologia. Talvez as ciências sociais sejam as mais refratárias à unificação. Pensar o núcleo da sociedade em termos da unificação do homem é alguma coisa que os antropólogos, sociólogos e cientistas políticos não são muito simpáticos. Mesmo assim, há tentativas, há formulações, há ideias, há imbricações e há dissipações.

Onde elas ocorrem?
Na formação, nas universidades, nos chamados núcleos da complexidade. Há vários pelo Brasil inteiro. O pioneiro núcleo da complexidade está localizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e vai fazer vinte anos. O segundo é o da PUC [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Já tem quinze anos, por aí, e em outras universidades, onde esses núcleos são criados, instalados etc. Nesses núcleos é onde ocorre a disseminação dessas ideias que reverberam nos mestrados, nos doutorados. A gente percebe que há uma potência cognitiva para se trabalhar na reunificação de muitos pensadores nas universidades. Mas eu te digo que é na proliferação dos núcleos que o pensamento complexo é disseminado.

A impressão que tenho é a de que a física puxa essa ideia da complexidade. Isso é real ou apenas impressão?
É uma impressão. Não é só da física, não. Talvez os físicos tivessem percebido um pouco essa possibilidade, esse horizonte. Desde [Albert] Einstein, um humanista, um pacifista convicto; Heisemberg, nos anos de 1920, com a formação do pensamento da incerteza. Neils Bohr com o princípio da complementaridade. As ciências ditas exatas perceberam o que a sociologia demorou a perceber, mas acabou percebendo. Tanto percebeu […] que nós, que estamos aí nessa seara do pensamento complexo, somos advindos das ciências humanas. Não se trata de uma hegemonia da física, da química ou da biologia.

Pelo contrário, diria que as ciências sociais demoraram um pouco para perceber. Talvez a ideia da ciência quântica de que a relação de causa e efeito não é tão explícita. Isso reverberou, foi mais consensual na física, na química e na biologia do que nas chamadas ciências humanas. Talvez por isso, Thomas Kuhn, em A estrutura das revoluções científicas, tenha chamado as ciências duras, física, matemática, química e biologia, de ciências paradigmáticas, reservando para nós [das ciências humanas] o qualificativo de ciências pré-paradigmáticas, aquelas que não gozam de consenso na comunidade [científica]. Mas, desde [Claude]Lévi-Strauss, nos anos 1950, que esse panorama está mudando vertiginosamente. Há muitas áreas das humanidades que já pensam na religação, embora não seja o paradigma hegemônico que comanda verbas, pesquisas, programas e bolsas.

Mas há uma tentativa de mudança de paradigma, no estilo de pensamento que está por aí. O século vinte e um será, necessariamente, o século da complexidade. Lembro de uma frase do [Giles] Deluze que diz: “O século vinte um será delusiano ou não será”. Digo a mesma coisa: o século vinte e um será o século da complexidade ou não será. O século do domínio da tecnociência será o século da religação. Aliás, há área dos saberes que já fazem isso: a ecologia religa, a biologia molecular religa, as áreas de ponta do conhecimento religam. As ciências cuja tradição está uma pouco mais consolidada, como sociologia e antropologia, é que dão para trás nesse processo, e vão ficar para trás se não entrarem nessa idéia de que é preciso alargar a concepção do homem.

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