“O Marx vai sempre ser fundamental nas análises dele, mais um Marx mais aberto”

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 26/02/2010 às 00:00 | Atualizado em: 26/02/2010 às 00:00

Esse seria um bom começo para uma vida conturbada…
Depois que o Morin volta para a França, ele foi um homem da resistência francesa, por ser judeu sefaradi, perseguido pela guerra. Teve que mudar de nome. Teve um problema enorme para que pudesse sobreviver na clandestinidade. O início da sua produção é o início da produção já de um exilado, de um exílio criativo, o exílio em absoluto não foi, para ele, o exílio da negação, de uma coisa niilista. Pelo contrário, foi um exílio que possibilitou a ele a explosão da criatividade conjunta, cujo exemplo é esse primeiro livro dele que acaba de sair no Brasil com décadas de atraso.

Posteriormente, acontece alguma coisa na vida dele, no itinerário dele, que talvez seja essa a marca fundamental da gestação do pensamento complexo, que ele denomina de reorganizações genéticas. Essas reorganizações genéticas não têm nada a ver com a biologia. São as reorganizações do pensamento. Há uma primeira, definida pelo rompimento dele com o partido comunista. Ele não suporta mais os mandos e desmandos do partido, rompe com o partido, escreve um livro denominado Autocrítica – nunca foi traduzido no Brasil – [que marca] a saída dele das fileiras do então Partido Comunista Francês (PCF).

Os anos correm e preparam, certamente, o advento da segunda reorganização genética, que foi também produzida por um acaso histórico, que é a ida dela para os Estados Unidos, para um instituto ligado às ciências duras, física, estruturas de sistemas, genéticas etc. É para lá que ele vai nos anos de 1960, para a Califórnia. Lá, ele também produziu um diário, que se chama o Diário da Califórnia (nunca também traduzido no Brasil). [Nesse livro], Ele conta um pouco da reorganização, o que aconteceu com a cabeça dele, na medida em ele entra em contato com a cibernética e os sistemas da física etc. Essa é a segunda reorganização.

Qual à questão ideológica, ele continuava marxista?
Permanece a base marxista. O Marx vai sempre ser fundamental nas análises dele, mais um Marx mais aberto; talvez isso tenha sido conseguido nesse período dos anos de 1960, quando então começa a redação do primeiro volume do Método. É um produto dessa segunda reorganização genética. Os outros volumes viriam depois, mas não em ordem cronológica, mas espalhados. Para se ter uma idéia, o último livro, sobre a ética, é do século vinte e um, mas especificamente em 2003. Essa segunda reorganização é a gestação de O Método. A palavra é bastante ambivalente porque, toda vez que você fala em método, você imagina um conjunto de procedimento, bases e teorias do processo do conhecimento. Mais uma vez é esclarecido em algumas passagens dos seus volumes de que método significa simplesmente uma estratégia do saber por itinerários aparentemente desligados do conhecimento que precisam ser religados de qualquer forma.

A terceira [reorganização] a gente poderia dizer que é um esforço hercúleo dele e de uma série de pensadores de construir uma antropologia fundamental. Essa antropologia escapa da visão de antropologia enquanto uma disciplina. É como se essa antropologia fundamental repusesse a antropologia na sua etimologia original, a antropociência do homem. É nesse sentido que é a terceira reorganização. É essa a idéia que constitui o núcleo forte do pensamento expresso nos seis volumes do Método, cuja [captação da essência, do itinerário e da estratégia] exige leitura tempo, paciência, perseverança e muita humildade.

Como essa idéia é disseminada nas universidades?
A universidade sempre foi refratária a qualquer tentativa de unificação. Em termos da complexidade, não há qualquer intenção de religação e, principalmente, na universidade brasileira, cuja fundação ocorre em 1935, com a vinda dos franceses para o Brasil. A universidade brasileira, mas não só ela, é criada de uma maneira fragmentada. Fazer penetrar essas idéias da religação no mundo dessa universidade fragmentada é uma missão hercúlea, demanda revolta, muita persistência, muita perseverança, um pouco de paciência, um pouco de irritação também. As universidades, de maneira geral, se vêem ameaçadas com a religação, porque a religação dos saberes, a religação das áreas, a religação das disciplinas significa uma nova visão do pesquisador, uma nova visão do sujeito, do sujeito congnoscente.

Tags