O poder do embuste

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 04/03/2010 às 00:00 | Atualizado em: 04/03/2010 às 00:00

Wilson Nogueira*

O prefeito de Manaus, Amazonino Armando Mendes, disse, sem pestanejar, que o reajusta do preço da passagem de ônibus de R$ 2,00 para R$ 2,25, no ano passado, feito por ordem judicial, foi uma espécie de socorro às concessionárias em dificuldade financeira em razão da fraude na meia passagem, da falta de controle na circulação dos carros executivos e da precariedade das ruas. Anteontem, por determinação da Prefeitura, esse preço caiu para R$ 2,10, porque tais problemas estariam resolvidos. Essa justificativa só evidencia que os usuários foram obrigados tirar as empresas de uma suposta inadimplência.

A queda da tarifa de ônibus foi anunciada como se esse fato não possuísse causa passada nem efeito futuro. Algo para ser engolido goela abaixo e ser digerido imediatamente. Pronto! Reapareceu o prefeito que protege os pobres! Mas não é bem assim não. Para conquistar esse reconhecimento, o prefeito precisaria ter, no mínimo, recorrido da decisão da Justiça favorável ao reajuste reivindicado pelos empresários. Não o fez. Preferiu fazer caridade – agora confessada – com o dinheiro dos usuários de um serviço público caro e de péssima qualidade. As bravatas do prefeito, ditas na ocasião da tão publicizada medida, servem para denunciá-lo como omisso no desempenho da função que lhe obriga a proteger o cidadão de gatunos e gatunagens.

Os fatos anteriores e posteriores indicam que empresas e Prefeitura pactuaram um reajuste, com aparência legal e legitima, para subtrair as parcas economias dos que necessitam de ônibus para chegar ao trabalho. Não é justo que o usuário pague pela conta da fraude, nem pela bagunça no sistema de transporte coletivo, e muito menos pela falta de manutenção das ruas. A sociedade já paga as instituições da República – e paga um preço muito alto – para que elas evitem ou resolvam esses problemas. O prefeito tinha autoridade e orçamento para agir em favor dos cidadãos e cidadãs. Em vez disso, se fez de morto e deixou a população nas mãos de uma decisão judicial passiva de recurso.

Além de deixar os munícipes ao deus-dará, o prefeito ainda exigiu que os jornalistas não recorressem à memória do episódio. “Esquece tudo isso. Não confunda a cabeça das pessoas. Estou falando português, não estou falando alemão, nem grego. O que interessa é o preço da tarifa”, resmungou Mendes. Não se tem notícia de que o prefeito fale alemão ou grego. Porém, sabe-se da sua habilidade em mimetizar acontecimentos em português rococó, com a intenção de confundir a memória da população. O que lhe interessa é o aqui-agora, como se ele não tivesse nada a ver com o descontrole do setor, que não é de hoje. Logo ele, useiro e vezeiro no manejo dos cofres do município e do Estado .

De qualquer modo, o prefeito comunicou à população a versão que lhe interessava, graças, também, ao comportamento assertivo da imprensa e à condição contemplativa da maioria dos vereadores. Mais uma vez, prevaleceu o embuste sobre a realidade nua e crua de uma cidade que clama por cidadania plena.

*Escritor, sociólogo, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam.

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