“O que aconteceu em Hiroshima é uma coisa que escapou da intenção original do Einstein”

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 26/02/2010 às 00:00 | Atualizado em: 26/02/2010 às 00:00

Como o senhor avalia o avanço científico também como gerador problemas?
O maior exemplo disso é com Hiroshima e Nagasaki, como você definiu [referencia a conversa anterior à entrevista]. Seis e nove de agosto de 1945. Esse fato dividiu o campo científico em dois lados contraditórios. Os próprios físicos que a princípio – Einstein, inclusive – que no começo solicitavam ao Roosevelt que corresse na pesquisa atômica antes que os alemães tivessem a tecnologia necessária para a fissão nuclear, quer dizer era uma alerta do Einstein para o Roosevelt de que os Estados Unidos e as ditas democracias tinham que correr antes porque se o nazismo fosse detentor da fabricação da bomba o mundo se arrependeria para sempre. Por isso, criou-se o projeto Manhattan, nos Estados Unidos, comissões de físicos etc. O que aconteceu em Hiroshima é uma coisa que escapou da intenção original do Einstein, que era uma intenção democrata.

A bomba em Hiroshima em seis e nove de agosto de 1945 foi uma decisão política. Logo depois, o Einstein e [outros cientistas] fazem uma petição ao Roosevelt, para que ele os recebessem, porque eles tinham ponto de vista contrário ao desastre de Hiroshima, por tudo aquilo que aconteceu[…] a morte explicita; e, certamente, foram ignorados pela política. Então essa interface ciência e política é uma interface que, pulando no tempo, acontece a mesma coisa com a Coréia [ do Norte].

Acho lamentável que hoje, no século vinte e um, o século da sociedade do conhecimento, algum país tenha o direito de construir artefatos nucleares que sejam voltados para a destruição de povos e culturas. Esse desenvolvimento da técnica, que é considerado uma coisa unidimensional, é como se a técnica devesse ser colocada no seu devido lugar. A técnica sempre existiu desde que mundo é mundo, mas hoje a tecnociência goza de uma hegemonia de proporções incomensuráveis e ainda mais quando ela se atrela a regimes políticos, cujo programa político é destruir povos e culturas.

Acho que isso é um problema sério, sobre o qual a comunidade internacional deveria se manifestar com maior veemência. Os cientistas, inclusive, porque os cientistas se calam a esse respeito. O que se vê é o pronunciamento da política a favor ou contra, mas a ciência se cala. Foi o que não aconteceu em 1945, porque Einstein [e outros] solicitam audiência com o Roosevelt, e agora os cientistas se calam. Aliás, essa coisa dos cientistas se calarem é um [problema]. Quando você se cala significa que você tem alguma coisa a ver com o poder direta ou indiretamente. Calar significa consentir. O consentimento é a pior forma do aspecto intelectual, hoje, nesse mundo tecnológico.

É o que ocorre na Coréia…
Acho lamentável que a Coreia do Norte tenha isso, como acho lamentável que a China tenha construído a hidrelétrica das Três Gargantas, que destruiu sítios históricos preservados pelo patrimônio etc. Patrimônios da humanidade [destruídos] foram simplesmente cartões postais das Olimpíadas [2006]. A comunidade internacional tem que se manifestar, sim. Edgard Morin chama isso de uma política de civilização. Esse é o temo que ele usa e é um termo muito feliz. É uma política de civilização planetária. Em outros momentos, ele chama isso de antropolítica – uma nova política para o homem.

O pensamento complexo então é um pensamento político também?
Nós, envolvidos com o pensamento complexo, estamos com a mão atolada na política. Inclusive com a resistência política que a gente faz nas universidades. É uma atividade política de a gente se manifestar contra a fragmentação, contra a divisão de áreas, contra os aposentos etc. Nos últimos quinze anos, talvez, ele [Edgard Morin] é um intelectual cuja presença é constante nos lugares mais conflitantes do planeta. Esteve em Saravejo com os estudantes, fazendo uma conferência na universidade. Em plena guerra da Bósnia, ele se enfiou numa briga internacional a respeito de Israel e Palestina. Ele foi processado por uma associação da França, os Advogados sem Fronteira, acusado de sionismo, pró-Israel etc.

Todos esses temas redundam em livros, pequenos ensaios de vinte páginas, trinta páginas, quarenta páginas, não mais que isso. Ele tematiza essa questão da antropolítica. O último é sobre a barbárie européia. Sobre essa idéia de que o Mercado Comum Europeu vai ser a panacéia de todos os males. Ao contrário disso, ele mostra que a cultura e a barbárie estão ali entrelaçadas, e que é preciso uma posição mais efetiva dos cientistas, inclusive, para se fazer ouvir melhor, como se fosse uma grande comunidade de saberes, onde os cientistas deixariam de ser homens que sempre consentem e nunca protestam. Acho que esse é um caminho importante do pensamento complexo, que é mergulhar na política da maneira que for possível.

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