Para além das entrelinhas

Publicado em: 14/10/2009 às 00:00 | Atualizado em: 14/10/2009 às 00:00

Wilson Nogueira*

O ritual da prisão do ex-deputado Wallace Souza e seus desdobramentos devem ser lidos muito além das entrelinhas. O relato dos acontecimentos em si é superficial, não dá conta do que subjaz nas decisões, nos gestos, nos cenários e nas cenas que envolvem esse rumoroso caso. Da condição de político paparicado pelo establesment, consagrado pelas urnas e influente no jogo do poder, Wallace tornou-se, de repente, um marginal perigoso.

Cabe à Justiça julgá-lo culpado ou inocente das acusações que lhe pesam sobre os ombros. Política e moralmente ele já foi condenado. O que a sociedade exige, a partir de agora, é que a Justiça aja conforme o melhor direito e a consciência mais acurada. Quanto ao que está posto na imprensa, o ex-deputado teria poucas chances de se livrar de uma punição a longos anos de cadeia. Ele poderia estar envolvido ao menos em 17 assassinatos, com a formação de quadrilha e com o narcotráfico. As evidências de que se trata de uma pessoa má são robustas.

O que impressiona é que esse cidadão, dono desse perfil aterrador, tenha transitado com tanta desenvoltura, por longos anos, nas instâncias do poder local sem que sua conduta perversa fosse notada e questionada. É improvável que aqueles que lhe deram guarida até dias atrás – inclusive os de setores da imprensa – sejam todos ingênuos e não cúmplices dessa suposta mente malfeitora. Escuta telefônica da Polícia Federal indicam, por exemplo, que Wallace era tratado como chefe por policiais graduados. Aliás, foi um ex-policial que o dedurou, supostamente para se livrar de uma execução.

O aperto policial a Wallace veio após a eleição de 2008, depois que ele e seus Irmãos Coragem – um deles, Carlos Souza, é vice-prefeito de Manaus – ajudaram Amazonino Mendes a se eleger prefeito. Ancorados na popularidade do programa de TV Canal Livre, estilo mundo-cão, eles derrotaram o atual vice-governador Omar Aziz, apoiado pelo governador Eduardo Braga, e o ex-prefeito Serafim Corrêa, candidatos à eleição e à reeleição à Prefeitura de Manaus. Insuflado eleitoralmente, Wallace queria ir além do poder que já exercia na política estadual, segundo a própria Polícia. O racha com ex-aliados seria um sinal manifesto da intenção de ampliar poder para si e para o seu grupo.

Um dos negociadores da recepção do ex-deputado na Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (Sejus) e posterior entrega à Polícia foi o vice-governador Omar Aziz. Preso, Wallace percorreu bairros em viatura policial em marcha fúnebre, esteve em celas para bandidos de alta periculosidade, para ouvir a voz rouca dos manos, e agora aguarda julgamento na carceragem de um quartel da PM. O primeiro dos Irmãos Coragem a visitá-lo foi Carlos Souza, que estava prefeito (em exercício) de Manaus.

O Caso Wallace envolve outros fatores e personagens – visíveis e invisíveis – que estão além das notícias da política e da polícia. Não será possível compreendê-lo sem compreender o jeito rasteiro e irresponsável de se fazer comunicação social e política no Brasil.

*Sociólogo, jornalista e escritor.

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