Poltergeist
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 23/10/2010 às 00:00 | Atualizado em: 23/10/2010 às 00:00
Lúcia Carla Gama*
Foi numa noite de sábado, isso sei bem. Lulinha e eu cumpríamos o ritual dos finais de semana de dormir com papai. Estávamos no Conjunto dos Jornalistas, apartamento 109, primeiro andar. Depois de um dia na piscina, na AABB, como de costume, jantar na casa da vó Maria e uma conversinha fiada os três deitados na cama de casal, papai tinha saído e nos deixado a sós, como sempre fazia.
Em seus 30 e tantos anos, ele era pai de dia e à noite saia para namorar, beber, farrear, hoje sei bem o que se faz com essa idade, e nós dois ficávamos no apartamento do Jornalistas. Devíamos ter por volta de dez, onze anos, eu a mais velha, e Lulinha uns oito, nove. Ficávamos na boa, cheios de recomendação de não mexer no fogão, não abrir a porta para estranhos – que seriam identificados pelo olho mágico –, comer bolacha cream cracker com xarope de guaraná em caso de fome e chamar o primeiro adulto ao alcance de um telefonema se houvesse um problema qualquer. E passávamos nosso tempo ali assistindo televisão ou filme, tirando proveito do vídeo cassete e de um certo conforto que não tínhamos em casa.
Naquele sábado especificamente decidimos assistir à programação da TV e o Supercine exibiu Poltergeist, o filme de Steven Spilberg que conta a história da menina Carol Anne, que desaparece no armário do seu quarto e se comunica com os pais por um canal de TV sem sinal, tudo por conta de espíritos que rondam a casa da família.
Acompanhamos a história sob as cobertas, quarto escurinho, frio por conta do ar condicionado. O filme nos assustou de primeira, mas resistimos e continuamos a assistir. E conforme a história ia passando, o medo ia aumentando a ponto de não sairmos mais do lugar nem durante os intervalos comerciais.
Quando a última cena foi exibida, o medo nos dominou por completo. Fomos os dois na cozinha beber água e Lulinha, conhecedor de tudo, foi dizendo que Poltergeist são espíritos perturbadores que estão por todos os lugares e certamente estariam por ali também. Pronto, foi a gota d’água!
Escrevemos um bilhete expondo nosso pavor, avisando a decisão, e lá fomos nós, perto de meia-noite, de roupa de dormir, andando por, ainda hoje, uma das mais movimentadas vias de Manaus, a Constatino Nery, rumo ao condomínio vizinho pedir abrigo na casa de um primo de papai, que nos acolheu delicadamente, apesar do adiantado da hora, até o momento do resgate paterno, no meio da madrugada.
Até agora, perto dos 40, tenho que admitir que nunca vi uma assombração sequer nem quando fico em casa sozinha – fato raro. O que há por aí, sei, são outros tipos de fantasmas, os que estão em mim, seguem comigo, e os do dia-a-dia, que andam com seus corpos pesados, de carne e osso, pelos corredores da vida, me assustando às vezes.
Alguns já aprendi a enfrentar mas de outros ainda fujo, como a menina daquele sábado à noite. Só não deixo o bilhete porque já sei que ninguém mais vai chegar e me resgatar.
*Jornalista.