Gerson Severo Dantas*
O Brasil não aprende mesmo a tratar da questão indígena, deixa rolar discussões infrutíferas, carregada de ódios estrangeiros, ideologias e concepções ultrapassadas. O mais recente exemplo desse laissez-faire é a demarcação em terras contínuas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Eu conheço bem o conflito existente ali porque fui ao local, não escrevi por ouvir falar ou por fonte secundária, estive lá e ouvi todos os lados da questão, não fiquei sentado na minha cadeira ouvindo relatos de gente com interesses na questão. Há uma clara divisão entre os próprios indígenas e entre os indígenas e a sociedade envolvente. Parte dos índios, ligados ao Conselho Indigenista de Roraima (CIR), da igreja Católica, luta pela demarcação em terras contínuas. Agora existe uma parte significativa, estimada à época em que estive lá em 30% do total de 18 mil e poucos, que são contra. Preferem a demarcação em ilhas. Esses índios são, majoritariamente, evangélicos. Eis um dos focos do conflito.
Além das questões religiosas, há um conflito econômico. Os que defendem a demarcação contínua querem os índios fora de qualquer atividade econômica e sem qualquer contato com o resto da sociedade. Querem um modelo semelhante ao dos índios Ianomâmis, que hoje, pobres, miseráveis e doentes, só se relacionam com pessoas autorizadas, a saber: gente da Fundação Nacional do Índio, ongueiros e missionários religiosos de matizes suspeitas. Será esse o melhor modelo? Claro que não.
O Estado brasileiro há muito deveria tomar como exemplo para as demarcações o que acontece na Terra Indígena Waimiri-Atroari. Ali, com o Programa Waimiri-Atroari (PWA), os indígenas estão livres de ONGS e religiões, o povo se desenvolve, mantém um relacionamento adequado com o resto da sociedade, avança no fortalecimento de sua cultura, aproveita-se financeiramente de suas riquezas, são saudáveis – o que poucas nações indígenas podem ter orgulho de dizer que são – se educam na língua original. Agora isso foi possível porque estavam fora das discussões as religiões e as ONGS. Com elas dentro, só temos conflitos, seja na Raposa-Serra do Sol, seja na terra dos Cinta-Larga, seja no Alto Rio Negro, onde sem a autorização de uma certa ONG não se faz nada, sequer se consegue entrevistar uma índio. Isso eu sei e vivi em São Gabriel da Cachoeira, não falo por ouvir falar.
Uma demarcação nos moldes da TI Waimiri-Atroari resolveria grande parte dos conflitos da Raposa-Serra do Sol. Os índios teriam sua terra garantida e quem quisesse usar dos recursos nela contidos pagariam por isso, como hoje fazem Manaus-Energia e Mineradora Taboca aos Waimiri-Atroari. É tão simples, basta que essa história de colocar índios em “aquários” isolados fique para trás, fique nos discursos ideológicos.
Os índios precisam de nós e nós precisamos dos índios. Chega desse conflito estéril. Que o Estado brasileiro assuma sua função, tire de tempo ongs, religiões e grupamentos econômicos.
ps: A dona de casa e o trabalhador manauara têm razões para preferir a demarcação em ilhas da Raposa-Serra do Sol, pois sem o arroz vindo de Roraima, exatamente das fazendas que estão no caminho da demarcação contínua, o preço do produto certamente vai subir e não será pouco. Comparem o preço do arroz da marca São João, importado do Sul, e os roraimenses (Faccio, Acostumado e outros) para ter uma idéia do estrago econômico no bolso dos locais.
* Filósofo, jornalista, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Ufam.