Roubaram o Homem-Aranha

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 29/08/2010 às 00:00 | Atualizado em: 29/08/2010 às 00:00

Ilustração: Romahs

Neuton Corrêa*

Juveco entrou no 446 cerrando as mãos, flexionando o braço direito com o punho apontado na direção do corrimão do teto ônibus, mirando e atirando munições imaginárias com disparos que fazia com a boca. Os mesmos movimentos ele repetia com o outro braço. Parecia andar pendurado como o Homem-Aranha.

Era o último busão do dia. Faltavam alguns minutos para a meia-noite. Quando eu, ele e minha esposa embarcamos no núcleo 2 da Cidade Nova, havia apenas uma passageira, uma senhora que se sentava ao lado da porta de desembarque. Ela segurou o que pôde, mas caiu na gargalhada com a presepada de meu amigo.

Não dava para reagir diferente! Até eu que o conheço há duas décadas e meia não aguentei a cena. E olha que já havia assistido ao espetáculo há mais de dez anos, do tempo em que ele trabalhava em Manaus como humorista.

Lembro-me do dia em que fomos a um festival de música, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Lá testemunhei seu poder de raciocínio para o humor refinado. Quando chegou à festa, com cara de quem não quer nada, foi abordado por um palhaço (era um palhaço mesmo, fantasiado), que tentava zombar dele. Meu amigo fingiu que não viu; o palhaço insistiu; Juveco, então, dobrou a cabeça para a copa de uma árvore, apontou o dedo para lá e trouxe-o lentamente junto com o olhar do comediante para o meio de suas pernas. O palhaço não falou mais nada. Apenas o cumprimentou, estendendo as mãos.

Juveco, José Inácio Miranda da Silva, seu verdadeiro nome, mudou-se para Maraã (a cinco dias de viagem de Manaus), em 2000. Conheceu a cidade e para lá migrou com a família para pôr em prática outra profissão: a de enfermeiro.

Feita a apresentação, vamos retornar à conversa inicial. Juveco não vinha à capital há quatro anos. Chegou aqui como garimpeiro. Parecia que nunca tinha visto bebida. Festa, então, nem se fala! Queria estar em todas e convidou justamente a mim, que sou mais bronco do que Dom Casmurro.

Evitei as tentações até onde pude. Mas precisava fazê-lo uma concessão. Ivete Sangalo se apresentaria em Manaus, no Sambódromo, e ele queria porque queria ir à festa. Tentei convencê-lo a ir a outro ambiente, mas fui voto vencido. Minha mulher, que só queria um pezinho, aproveitou-se.

Foi nesse percurso para o Sambódromo que ele interpretou o Homem-Aranha. Aliás, até quando desembarcou do ônibus, desceu como Aranha. Jogava suas teias para os postes de iluminação pública, para os prédios, para os carros que passavam pela gente. Para tudo!

Ao chegar ao Sambódromo, ainda tentei dar um desdobro nos dois, no Juveco e na minha esposa. Perguntei a que hora Ivete se apresentaria e fomos informados de que ainda se demoraria. Era tempo suficiente para jantar na praça de alimentação ali perto. E assim aconteceu.

Mas, amigos do busão, Juveco não queria perder a festa. Engoliu a comida e disse, apressando-me: “Vamos, Mojica (assim ele me chama)”. Não houve jeito.

Juveco aproveitou o que pôde. Estreou o celular novo filmando as pernas da Ivete Sangalo e batendo foto para levar de lembranças para a família. Mas, de repente, quando a cantora começou a repetir “Levada louca, levada louca”, o Homem-Aranha me chamou:

– Mojica, vem cá. Vamos lá no banheiro?

– Vamos, respondi. – já saindo do meio da multidão de jovens bêbados e drogados.

Antes de escalar a rampa para os banheiros, porém, Juveco se escorou numa coluna do Sambódromo e disse: “Porra, cara, levaram minha carteira, com tudo o que eu tinha”.

Tentei não rir, mas não deu.

Jornalista, filósofo, escritor.

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