Só deu pro dele

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 30/07/2010 às 00:00 | Atualizado em: 30/07/2010 às 00:00

Neuton Corrêa*

Acordei dando gargalhadas e socando a mão esquerda fechada com mão direita aberta. Sonhei com o dono do 015, mesmo dono do 351. Era um sujeito branco, alto, cabelo louro, de pastinha. Nas idas e vindas do sonho, sempre o via de calça de tergal cinza, com camisa rósea de mangas cumpridas. Parecia um motorista de ônibus da Eucatur. Em uma das situações, ouvi alguém o chamar de senador.

O sonho começa comigo, perdido, na frente de uma casa, um casarão, com um muro baixo que sumia ao olhar. Por trás dessa muralha, podiam-se observar centenas e centenas de ônibus guardados. A única coisa que me parecia familiar era a frente da casa. Olhava para ela e pensava: “Acho que já estive aqui”, dizia para mim mesmo olhando para uma escultura de duas cobras enroladas.

De tanto ficar admirando a escultura, fui abordado por uma pessoa que me disse: “Me acompanhe!” Parecia hostil, mas acabei conversando com ele. A primeira coisa que lhe perguntei foi: “De quem é isso aqui?” E o segurança: “É do senador!” – respondeu o homem, tufando o peito.

Quanto mais eu entrava na casa, mais assustado ficava. É que as cobras não eram esculturas. Elas se mexiam. E ainda mais apavorado fui ficando, quando outras serpentes surgiam da garagem, das portas, de todo lugar para onde eu olhava! Preocupado, perguntei: “Por que ele gosta de cobra?” E ouvi:

– Ele é de Cascavel, uma cidade do Sul do Egito, onde os faraós criavam as cobras para tirar o veneno.

Ouvi a explicação sem dar uma palavra, quando, finalmente, o dono da casa apareceu com um celular ao ouvido, falando: “É, irmão, presidente do IMTT (órgão que cuida do transporte público, em Manaus), amanhã vamos brincar com os nossos passageiros. Eu vou mudar a rota do 015: ao invés de ele passar pela rua Timbiras, ele agora vai direto pela Max Teixeira. Vamos também tirar a parada do 351 daquele lugar tranquilo e vamos misturar com a turma do 450, do 014 e do 015, no meio daquela confusão do T3”.

Não sei o que o cidadão do outro lado da linha falava, mas pela resposta do louro dava para desconfiar, pois assim ele falou: “Não, não te preocupa que eles vão se acostumar”. Outra vez, ele fez uma pausa e voltou a falar: “Que câmara, que nada! Aqueles lá fazem o que a gente quer”. Outro silêncio e, de novo: “O prefeito também. Ele também se diverte com essas brincadeiras”.

E eu, no sonho, fiquei a pensar: “Ah! Quer dizer que é assim que eles combinam as coisas”. Lembro que, após ouvir o acerto, cochichei com o homem que havia me abordado na frente da casa das serpentes e combinei: “Vamos fazer a mesma coisa com ele só para ver como se sentiria se as coisas de sua rotina mudassem sem ele ser avisado”. A assim aconteceu, com a concordância do segurança:

Tão logo desligou o telefone, ele correu para o espelho, pegou uma escova ao lado e quanto mais ele penteava o cabelo, mais preto ficava sua cabeça e, quanto mais tentava arrumá-lo, mais suas mãos se lambuzavam com a cera que estava na escova. Enquanto isso, o segurança me olhava, rindo, mostrando que havia trocado a lata de vaselina do patrão por uma lata de graxa.

O embaraço não parou por aí. Agoniado com a sujeira, o senador gritou para o motorista, pediu seu carro, que demorou meia hora para passar, e, quando passou, ele ordenou: “Me leva para o IMTT”. O problema, amigos do busão, é que ao lado do carro estava escrito: “IMTT via Ceasa, Educandos, Ponta Negra, Ponte da Bolívia, Rio Piorini e um monte de destinos que não lembro mais”.

Nessa hora, senhores e senhoras, acordei dando gargalhadas, socando as mãos e dizendo: “Agora, seu filho da mãe, tu vais ver como é ruim ir para onde a gente não quer”.

*Filósofo, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia.

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