Ivânia Vieira*
Tenho tentado ver as samaumeiras dos arredores de Manaus, mas elas estão cada vez mais escondidas, difíceis e distantes de nós. O bailado de galhos e folhas quando nos envolviam na dança das sementes desapareceu da cidade e nem as sementes voadeiras, aqueles flocos pequeninos e macios ora caindo sobre nós ora éramos nós correndo para alcançá-los, têm aparecido por aqui.
Talvez as samaumeiras não gostem dos edifícios e, entristecidas, enviaram suas sementes para dançar em outro lugar. Pior para nós! A cidade, escassa de árvores, está mais triste ainda e, sem as sementes, faz uma dança melancólica, quase fúnebre, já não sabe como recepcionar as sementes dançantes e elas deixaram de correr em nossa direção. Depois de tantas histórias vividas juntas, somos hoje estrangeiros arredios e nossa companheira mais fiel é a fumaça da morte.
Olho para o céu e para a terra. A fumaça está lá, entre as casas, os ônibus, os carros, ocupa a rua, se espalha velozmente, impede minha respiração e turva meu olhar. As lágrimas descem sem controle.
Sementes de samaumeiras não aceitam viver assim, precisam ser vistas, compreendidas e protegidas não porque são frágeis, não! Afinal são filhas e mães da samaumeira, mas sabem que a cidade, do jeito que está, é ameaça de morte, maltrata, produz seqüelas, asfixia até apagar completamente a luz da vida e tornar lei a proibição da dança da liberdade, essa feita pelas sementes voadeiras. Viver assim é aceitar morrer a cada dia, é deixar os outros morrerem também.
As samamumeiras, guerreiras gigantes, choram diante das irmãs perdidas na cidade e no interior, e choram pela humanidade escapulindo. Trazem nesse choro as sementes voadeiras, grávidas da esperança, elas insistem, por nós. Preparam nesse momento um grande vôo para enfrentar quilômetros de violência e vão cantando, gritando palavras de ordem, reunindo ao longo da marcha outras sementes. Vão dançando, multiplicadas e coloridas, fazendo da estrada um imenso canteiro.
Desta vez, nenhuma fumaça vai impedir de serem vistas. Retomam nesse gesto o ritual da dança pela vida de mulheres, árvores e sementes em todo o lugar. É uma declaração de amor a cada um de nós, para amanhã repousarmos na samaumeira salva. Ela, generosa, redistribuirá as sementes voadeiras para Manaus voltar a vê-las e, re-unidas, sejam árvore de resistência.
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