A cura pela “mãe do corpo” e outras histórias de curadores de Parintins reunidas em um livro

A pesquisa da professora Fátima Guedes reúne histórias como a de dona Lia Benzedeira, que faz 'puxação espiritual'

Livro conta histórias de benzedeiras e curadores populares de Parintins

Arnoldo Santos, especial para o BNC Amazonas

Publicado em: 20/06/2022 às 11:32 | Atualizado em: 20/06/2022 às 17:03

A professora Fátima Guedes lança, na próxima terça-feira (21), o livro “Vestígios de Curandage – memórias de saberes popular/ tradicionais”. Uma produção independente, bancada com recursos próprios e ajuda de amigos, escrita sob o selo da editora A Ilha. O livro traz dados, histórias, informações de homens e mulheres que exercem, ou exerceram, algum tipo de saber tradicional com o objetivo de curar outras pessoas. na cidade de Parintins (AM).

A autora, formada em letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, educadora popular,  é uma seguidora do educador Paulo Freire, como ela mesma se define. E como toda freiriana, pratica sua teoria de vida. Freire, referência mundial na área de educação, diz que “a reflexão, se realmente reflexão, conduz à prática”.

Foi assim que, em 2008, partiu para campo atrás de “vestígios”, de qualquer forma que encontrasse, desse tipo de costume popular que tenta ser uma prática paralela ao que ela chama de modelo ‘hospitalocêntrico” de saúde.

O livro, que tem pouco mais de 170 páginas, já começa com uma explicação básica. Ela tece crítica à medicina moderna dizendo que os cuidados com a saúde, com esse tipo de modelo, acaba impondo o consumo de “drogas laboratoriais, procedimentos cirúrgicos, aparelhos, dependência hospitalocêntrica”, entre outras imposições.

Todo esse conjunto de práticas de saúde acabou retraindo “os saberes e práticas alicerçados nos diálogos indígenas, cabocos com as substâncias vegetais e rituais daquele universo místico”. Esse, segundo Fátima, foi o motivo de busca o caminho de volta para as práticas ancestrais de cura, tratamento alternativo, enfim, de procedimentos que não estão em bula de laboratório nenhum.

O resultado dessa busca foi a reunião de uma lista de parteiras, puxadores de desmentidoras, pegadores de ossos e benzedeiras. A lista final deu 153 pessoas que exerciam algum tipo de prática de cura.

“Pra conseguir a entrevista, era muito difícil. Estavam para o interior, estavam muito velhos. Já não tinha condições de interagir com entrevistas. Independentemente, dos que já estão falecidos, foram poucos”, conta Fátima sobre como foi difícil achar os vestígios.

“Buchinho pra fora”

A autora conta que uma das últimas contribuições para o livro foi do médico parintinense Aldrín Verçosa, falecido em 2009 por causa de uma pancreatite aguda. Ela conta que Aldrin passou as anotações sobre como o povo tratava e se relacionava com algumas doenças.

Uma delas foi o nome de uma doença relativamente comum entre as pacientes que o médico recebia. As mulheres relatavam que estavam com “buchinho pra fora”.

“De forma muito estratégica, ele anotava os vocábulos usados pela população. E antes de morrer, ele me repassou essa lista de vocábulos que são próprios da sabedoria popular”, conta Fátima Guedes.

E sobre o “buchinho pra fora”, a conclusão foi de que este termo era usado para descrever casos de prolapso vaginal, uma doença que causa os desprendimento dos órgãos pélvicos e que afeta, particularmente, as mulheres.

“A mãe do corpo”

Uma das personagens mais marcantes descritas no livro, pela história de vida e, simplesmente, por estar viva e atuante, é Lia Nazaré Ribeiro, ou somente, Lia Benzedeira.

Dona Lia pratica a “puxação espiritual”, uma espécie de massagem que mexe com o corpo, mas também com o espírito, com a alma, ou como a pessoa escolher chamar e/ou acreditar.

A base do atendimento dela é realinhar a “mãe do corpo”. No saber tradicional, “mãe do corpo” é uma expressão popular que se refere aos movimentos que a mulher sente no abdome, mesmo depois de ter dado à luz. Para dona Lia, é mais do que isso. É a força que se encontra na área três dedos abaixo do umbigo. E quando a “mãe do corpo

Aos 59 anos, parintinense de nascimento, o nome dela já chegou à 16ª Conferência Nacional de Saúde, em 2019, onde praticou sua puxação em vários profissionais da área.

De onde a força de dona Lia Benzedeira? Ela responde naturalmente. “Acreditem ou não, para qualquer cuidado de saúde eu recebo orientação dos meus guias. Só quem vive essa experiência pode entender o que digo”, diz dona Lia citando sua inspiração espiritual.

Lia ‘Benzedeira”, praticando seus saberes tradicionais na 16ª Conferência Nacional de Saúde e para alunos da área de saúde do estágio de internato rural da UFAM

Assista à entrevista que a autora deu ao BNC Play junto de Lia “Benzedeira”

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Texto atualizado às 17h02 de 20/06/2022 para inserção do vídeo da entrevista.