Caprichoso apresenta versão moderna do manto tupinambá

Tradicionalmente, a peça é feita com penas vermelhas da ave guará ou azuis de araruna, e fibras vegetais

Dassuem Nogueira e Juliana Oliveira, da Redação do BNC Amazonas em Parintins

Publicado em: 26/06/2025 às 14:18 | Atualizado em: 26/06/2025 às 14:18

Neste dia 25 de junho, às 17h30, o Caprichoso iniciou a apresentação do plano de arena, com o lançamento do livro “Tempo de retomada”, de Trudruá Dorrico Macuxi.

O evento contou com a participação de diversas lideranças indígenas, sobretudo, mulheres.

O ponto alto foi a apresentação de uma versão moderna do manto tupinambá que será apresentado na arena nos próximos dias.

Terceira revolução

O professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e conselheiro de arte do boi-bumbá Caprichoso, Adan Renê Silva, iniciou as solenidades da tarde mencionando o compromisso da agremiação com uma “arte compromissada” e “educativa”.

Segundo ele, do ponto de vista do Caprichoso, houve três revoluções na história do Festival Folclórico de Parintins:

1) inserção de ferro na construção das alegorias;

2) divisão do tema em três subtemas;

3) descolonização do festival, a partir da participação de Ericky Nakanome como diretor do conselho de artes do Caprichoso.

Em seguida, a autora e poetisa Trudruá Dorrico apresentou e lançou seu livro.

Conforme ela, a obra nasceu de uma indignação no contexto das reivindicações do povo guarani kaiowá pela retomada de suas terras no Mato Grosso do Sul, e de sua própria condição como mulher indígena macuxi, que descobre na literatura um espaço onde ela pode ser quem ela realmente é.

O presidente do Caprichoso, Rossy Amoedo, participou das solenidades de abertura do evento.

Sua fala teve um tom diferenciado das demais. O presidente destacou estar pronto para confrontar quem quer que seja para garantir a vitória do boi-bumbá.

“Eu não vou deixar o Caprichoso ser o melhor na arena e sair de lá despontuado”.

Vanda Witoto destacou que o Caprichoso foi “pioneiro” em trazer as vozes indígenas para a arena e reivindicou que o festival deixe de ser folclórico e seja um “festival de ancestralidade”.

Outras presenças e narrativas marcantes no evento foram as de Ângela Mendes, filha de Chico Mendes, e Yakuy Tupinambá.

Ericky Nakanome, professor da Ufam e presidente do conselho de artes do Caprichoso, relembrou brevemente como o Festival Folclórico de Parintins já havia reproduzido muitos estereótipos coloniais, e a necessidade de descolonização do evento.

O ponto alto do evento foi o anúncio de que o Caprichoso trará uma versão moderna do manto tupinambá ao festival.

Manto repatriado

O manto tupinambá foi repatriado ao Brasil em 2024.

Tradicionalmente, a peça é feita com penas vermelhas da ave guará ou azuis de araruna, e fibras vegetais. Mede 1,8metro de altura e era usado em rituais.

Fabricado no século 16, o manto foi levado para a Europa durante o período colonial.

Existem 11 mantos tupinambás no mundo, produzidos entre os séculos 16 e 17, conservados em museus na Europa. Uma delas retornou ao Brasil no ano passado, após mais de 300 anos de permanência no Museu Nacional da Dinamarca.

Em 2022, o embaixador do Brasil esteve na Dinamarca e iniciou as tratativas para o Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro, receber de volta o manto tupinambá (repatriar). Assim, houve um trabalho coletivo entre os museus para a repatriação do artefato, que só se concretizou dois anos depois.

Hoje, o manto permanece no Museu Nacional do Rio de Janeiro, com a anuência dos tupinambás, que realizam seus rituais no manto para que seja exibido ao público somente em 2026.

Versões do manto

Em 2006, Glicéria Tupinambá confeccionou um novo manto na aldeia da Serra do Padeiro, Bahia.

Outros três mantos foram fabricados por Glicéria em 2021.

Foi criada a exposição Kwá yepé turusú uyriri assobaja tupinambá (essa é a grande volta do manto tupinambá) com os trabalhos de Glicéria.

Fonte: Catálogo da exposição Kwá yepé turusú uyriri assobaja tupinambá (Essa é a grande volta do manto tupinambá)

As versões criadas por ela usam as cores branca, marrom e preta, com penas de pavão.

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O manto do Caprichoso

A apresentação do manto pelo boi Caprichoso provocou certa confusão sobre as diferentes versões do manto, algo que ficou evidente nos comentários na rede social do @boicaprichoso.

Embora o debate sobre a repatriação do manto tupinambá caia como uma luva (ou um manto) no tema da retomada, seria difícil que o boi Caprichoso levasse uma réplica para a arena.

O manto tupinambá é, tradicionalmente, fabricado com predominância de cores alinhadas ao vermelho do boi contrário, como as penas da ave guará vermelho.

Sendo assim, foi necessária uma nova versão, nas cores verde e azul, onde prevalecem tons alinhados ao azul do boi Caprichoso.

O manto tupinambá apresentado pelo presidente da comissão de artes do boi-bumbá Caprichoso é uma versão construída na contemporaneidade pelos Tupinambá de Olivença.

Fotos: Dassuem Nogueira/ especial para o BNC Amazonas