Há uma canção gospel brasileira cuja letra, em determinado momento, declara: “os homens e seus espelhos mágicos, nada veem além de si mesmos”. Até agora não encontrei sentença mais apropriada para definir o comportamento do atual presidente norte-americano Donald Trump.
Os Estados Unidos da América, cuja contribuição científica para a humanidade está registrada nos anais da história, serão governados, durante quatro anos, por um narcisista de grau muito elevado. Trump, como todo narcisista, só vê beleza em si mesmo, despreza e acha feio tudo aquilo que não é espelho, para citar, aqui, uma frase da música “Sampa”, de Caetano Veloso.
O problema é que esse narcisista vai administrar o maior arsenal atômico do mundo, uma máquina de guerra que se retroalimenta principalmente a partir da doutrina do Destino Manifesto . Um conjunto de crenças segundo as quais é papel dos Estados Unidos ser a luz do mundo e levar para outros povos a democracia e a liberdade.
Nesse sentido, claro está, o mundo corre grandes riscos, pois o narcisista é incapaz de amar e se importar com o outro. O amor é só dele e para ele. A vaidade e o egoísmo extremado também tornam o narcisista incapaz de se compadecer. Isso pode-se ver nas medidas tomadas no primeiro dia de mandato de Trump em relação aos imigrantes, à saúde pública, à ciência e à convivência pacífica entre as nações.
Desprezo
Outra característica do narcisista é o desprezo. Com Trump não poderia ser diferente. Trata-se de um homem que é incapaz de amar outrem. Na verdade, a utilização do desprezo e do deboche funcionam como uma proteção para si mesmo. São escudos cuja finalidade é proteger e afastar qualquer possibilidade de divisão de sua glória com quem quer que seja.
Nesse contexto, é perda de tempo para qualquer alma desavisada manifestar amor e admiração ao homem alaranjado. A pessoa pode até tentar, mas receberá de volta a indiferença. Com muita frieza e sem o menor constrangimento, ele aplica seu narcisismo aos abobados eleitores latinos e outros imigrantes que o apoiaram na eleição. Todas as ações de governo tomadas até agora refletem o desprezo, a perversidade e a frieza de sua personalidade narcisista.
Nesse contexto, a pergunta que fica é: que deus irá nos vingar? No mito grego de Narciso, por vingança dos deuses, ele é amaldiçoado. Conta-se que, por causa de sua beleza, a ninfa Eco se apaixonou perdidamente por ele. Mas, ao tentar se aproximar, foi tratada com desprezo. Rejeitada, a ninfa mergulhou na tristeza e definhou até sobrar apenas a sua voz, que passou a ecoar pelos vales.
Os deuses acharam a atitude de Narciso extremamente cruel. Coube à deusa Nêmesis – a deusa responsável pelo equilíbrio das coisas –, a aplicação da justiça. Ela condenou Narciso a se apaixonar pela própria beleza refletida na água. E assim aconteceu. Ao ver a sua imagem refletida, ele ficou obcecado e paralisado diante do que via. Incapaz de se mover, definhou até a morte naquele mesmo lugar.
Conclusão
Certamente, o narcisismo de Trump coloca o mundo em perigo. A sua política de ódio, de desprezo pelas minorias, pelos imigrantes, pela democracia, o seu negacionismo científico e climático terão consequências desastrosas.
Minha esperança é que esse comportamento provoque a ira dos deuses e que eles nos vinguem ao seu modo, como fizeram com Narciso; que ele fique obcecado e paralisado diante de seus espelhos mágicos. E que esses espelhos se quebrem rapidamente.
*O autor é sociólogo .
Foto/ilustração: Gilmal