Um dia cinza com o asfalto sujo de sangue. Ditadura, nunca mais!

"A democracia sempre vencerĂ¡. NinguĂ©m nasceu para viver em dias cinzas"

Por LĂºcio Carril*

Publicado em: 31/03/2023 Ă s 10:30 | Atualizado em: 31/03/2023 Ă s 11:47

O dia nĂ£o estava pra chuva nem para trovoadas, mas tudo se fez cinza. O amanhecer nĂ£o teve aurora, porque aurora tem poesia. NĂ£o houve brilho, sĂ³ escuridĂ£o. AtĂ© as pedras se incomodaram com aquele dia nefasto.

NĂ£o era um dia comum. Noutros dias nĂ£o havia coturnos nem tanques; e o dia tambĂ©m nĂ£o era cinza.

Homens carrancudos tomaram conta das ruas e pintaram o asfalto de vermelho com o sangue dos homens de bem. Nada era normal. SĂ³ um rastro de sangue era deixado pelo corpo arrastado.

Nunca vou esquecer o dia 31 de março de 1964. Foi um dia cinza com rastro de sangue dos meus irmĂ£os e irmĂ£s.

Muito sangue jorrou dos porões fĂ©tidos da tortura. A humilhaĂ§Ă£o virou arma e nem mesmo o homem sem cor se salvou. Qualquer um era culpado, sujeito aos maus-tratos dos vegetais fardados.

O dia ficou cinza, cheio de tristeza e com cheiro de morte.

Era um golpe duro contra a vida. Ninguém queria viver num país cinza, com o vermelho escorrendo apenas do corpo de quem pensava em democracia.

Todos os dias viraram dias de tristeza e sofrimento. A vida ficou pior com milicos dando ordens e fazendo safadezas.

Foram tempos duros, com gente de bem sendo presa, torturada e morta para nĂ£o deixar o sol raiar.

Dias difĂ­ceis. E ainda sentimos o cheiro da podridĂ£o exalando dos clubes de pijamas verdes e de vermes saudosos da tortura.

Vencemos mais uma vez o obscurantismo.

Naqueles tempos, levamos 21 anos de luta diĂ¡ria contra a ditadura. Agora, foram quatro anos sentindo muita nĂ¡usea de um helminto tirado a fĂ³rceps pela elite endinheirada e metido goleia a baixo dos ignorantes e maldosos.

A democracia sempre vencerĂ¡. NinguĂ©m nasceu para viver em dias cinzas. Que o raiar do dia traga na sua beleza a esperança e a justiça social.

*O autor é sociĂ³logo.

Foto: ReproduĂ§Ă£o/ AgĂªncia PĂºblica