‘Urbi et orbi e o destino manifesto’

“A ordem assinada por Trump é uma modalidade sacrílega e reversa da bênção especial dada pelo papa da igreja católica a partir de Roma, "Urbi et orbi"". Leia no artigo do jornalista Walmir de Albuquerque Barbosa

'Urbi et orbi e o destino manifesto'

Por Walmir de Albuquerque Barbosa*

Publicado em: 01/08/2025 às 12:45 | Atualizado em: 01/08/2025 às 12:50

Pronto, não houve jeito! O “Imperador de todos os mundos” bateu o martelo. Os súditos mais fiéis, os lambe-botas, os vira-latas, os capachos e o séquito triste da humanidade, os que vivem como aves de rapina sentiram-se contemplados por seu salvador ter saído em defesa da desumanidade, da desgraça alheia e da desesperança, que sustentam a concentração de renda nas mãos de um punhado de ricos, cujas fortunas pessoais e negócios são maiores até que o PIB de muitos países chamados de desenvolvidos.

A terra tremeu envergonhada, as ondas se elevaram em ameaças de tsunami, o lixo dos oceanos foi mandado de volta para orla de praias e os desafortunados de Gaza emitiram seus últimos suspiros à espera da comida que está virando “bomba” a matar inocentes.

Mais uma vez os ricos ganharam com as taxas impostas ao comércio mundial.

A negligência nos cuidados com a natureza e até mesmo com a falta de empatia pelos que sofrem fome pararam no mesmo lugar enquanto poderosos jogavam golfe e calculavam taxas, insensíveis aos apelos do mundo real.

Nada, no entanto, foi mais catastrófico e humilhante que o sussurro envergonhado dos negociadores apressados em servir, enfrentando “mares nunca dantes navegados”, voltando para casa de mãos abanando ou decepcionados diante da força que ninguém ousa contestar.

A ordem executiva emitida pelo governo americano é peremptória, cumpra-se!

Seu teor carrega o asco da ignorância, da vingança descabida e injusta, mas, também, da ameaça em caso de descumprimento das vontades que a justificam.

Numa avaliação jocosa, contém o seguinte: “Fica decretada, para vigorar em todo mundo, a partir de zero hora do dia tal, uma nova ordem mundial, imposta contra todas as nações.

Caberá à esquadra soberana a fiscalização de seu cumprimento, em todos os mares e oceanos por onde trafegam navios carregados de mercadorias; ficam isentos aqueles que conduzam ouro, incenso e mirra (as chamadas terras raras) a serem ofertadas como presente à sua majestade”.

A ordem assinada por Trump é uma modalidade sacrílega e reversa da bênção especial dada pelo papa da igreja católica a partir de Roma, “Urbi et orbi”.

A ordem presidencial é supremacista e a bênção papal é perdão e misericórdia.

É inacreditável que atos tão abomináveis sejam praticados com tanto requinte e prepotência em tempos de paz.

Confirma, assim, o que já foi tantas vezes dito e aplicado a situações tão adversas: “tudo que é sólido se desmancha no ar” (K. Marx e F. Engels. “Manifesto comunista”, 1848).

O alento dado por estas palavras é a de que as contingências históricas marcam as instituições e o processo histórico enfrentado diuturnamente pelos povos no seu processo de vida, mas estes são capazes de reconstruir novos mundos, um novo momento histórico e até destruir a opressão às liberdades e a força dos tiranos.

O caso brasileiro, confrontado com os demais, é único. O decreto “imperial” segue o roteiro persecutório das ameaças contidas em comunicados anteriores buscando intervir na nossa soberania, na independência entre poderes e na idoneidade dos nossos juízes.

O problema que nos é colocado não é meramente econômico, é político, ideológico e indigno.

Sopesando os fatos e suas consequências, resta-nos pouco a fazer diante da conformação dos outros, imediatamente.

Não demonstrar indignação é impossível, porém é preciso reconhecer que este foi o mundo que construímos, no qual estamos inseridos e com modos próprios de acomodação, onde até a infâmia é permitida para aniquilar o “inimigo”.

O que se espera em momentos como este é a coesão em torno de objetivos: resistir a chantagens, operar com todos os meios possíveis para a contenção dos danos e aliar-se aos que não aceitam essa teoria absurda de um “destino manifesto”, utilizado pela potência americana para aniquilar as demais nações ou submetê-las ao seu domínio.

Essa teoria, tão cara aos Estados Unidos da América, é um novo fundamentalismo tomado como bandeira pela direita conservadora republicana e, mais ainda, pela sua extrema direita, além do beneplácito da direita conformista democrata, que já o adotara no passado.

E, sem dúvidas, é tão pernicioso quanto seus congêneres, que tantos tormentos já causaram à humanidade!

*O autor é jornalista profissional.

Foto: divulgação