Os seis mil indígenas presentes no “Acampamento Luta pela Vida” vão manter a mobilização em Brasília e em seus territórios pelo país afora até o julgamento do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na última quinta-feira (26), foi iniciado o julgamento histórico sobre a demarcação definitiva das terras indígenas no Brasil, com a leitura do relatório do ministro Edson Fachin.
O presidente do STF, Luiz Fux, garantiu que o caso será retomado na próxima quarta-feira, 1º de setembro.
“Confiamos que a Suprema Corte irá sacramentar o nosso direito originário à terra, que independe de uma data específica de comprovação da ocupação, conforme defendem os invasores”, afirma o movimento indígena, em carta publicada.
“Pelo poder dos nossos povos, da nossa espiritualidade e da força dos nossos encantados que prezam pelo Bem Viver, nosso e da humanidade, dizemos não ao Marco Temporal”, reforça o texto.
Na capital federal desde o dia 22 de agosto, as cerca de mil lideranças indígenas irão permanecer acampadas até o dia 2 de setembro e posteriormente vai somar forças à Segunda Marcha das Mulheres Indígenas que acontece entre 7 e 11 de setembro.
No processo do marco temporal, o Supremo vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.
O status de “repercussão geral” dado em 2019 pelo STF ao processo significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, além de servir para balizar propostas legislativas que tratem dos direitos territoriais dos povos originários.
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O que é o marco temporal
Apesar da Constituição não ter estabelecido nenhum limite de tempo para a demarcação de terras indígenas, ruralistas e setores interessados na exploração destes territórios de ocupação tradicional defendem, com a tese do “marco temporal”, que os povos originários só deveriam ter direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988.
Esta tese vem sendo utilizada pelo governo federal para travar demarcações de terras indígenas e foi incluída em proposições legislativas anti-indígenas como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, aprovado em junho pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados.
De olho no Congresso Nacional
Ao mesmo tempo que aguardam o julgamento do STF, as lideranças indígenas estão de olho no Congresso Nacional. Neste fim de semana, os povos originários se manifestaram contra as diversas propostas legislativas que buscam restringir seus direitos.
Entre elas, o PL 490/2007, recentemente aprovado na CCJC da Câmara, que na prática inviabiliza demarcações. A proposta aguarda votação no plenário.
Outro projeto que vem sendo denunciado é o PL 191/2020, de autoria do governo Bolsonaro, que libera a mineração, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas terras indígenas.
“Esses atos são contra o genocídio que está sendo causado aos povos indígenas do Brasil, com todas essas armadilhas e propostas que estão tramitando dentro do Congresso que tiram os direitos dos povos indígenas à terra, à vida”, explicou Paulo Tupiniquim, coordenador da Articulação dos Povos e Organizações indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).
Apoio popular
Os indígenas e suas lideranças não estão sozinhos nessa luta. Mais de 160 mil pessoas assinaram uma carta ao STF contra o marco temporal, pedindo proteção dos direitos indígenas.
Inicialmente assinada por artistas, juristas e acadêmicos e diversas personalidades brasileiras, a carta pede ao STF que diga não ao marco temporal no julgamento decisivo previsto para iniciar na próxima quarta-feira (1/9).
O manifesto foi aberto para a coleta virtual de assinaturas e ganhou a adesão de dezenas de milhares de pessoas que se posicionaram em apoio aos povos indígenas do Brasil e contra o “marco temporal”, interpretação restritiva da Constituição Federal que busca limitar o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras.
“O tratamento que a Justiça Brasileira tem dispensado às comunidades indígenas, aplicando a chamada ‘tese do marco temporal’ para anular demarcações de terras, é sem dúvida um dos exemplos mais cristalinos de injustiça que se pode oferecer a alunos de um curso de teoria da justiça. Não há ângulo sob o qual se olhe e se encontre alguma sombra de justiça e legalidade”, afirma a carta aberta.
“Este Supremo Tribunal tem em suas mãos a oportunidade de corrigir esse erro histórico e, finalmente, garantir a justiça que a Constituição determinou que se fizesse aos povos originários”, diz o documento.
Leia a carta na íntegra no link a seguir: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2021/06/carta-aberta-stf-2021-06-re-2.pdf
Com informações do ISA e do Cimi.
Foto: Divulgação