Aplicativo ajuda mulheres a escolher rotas seguras e pedir socorro a amigos

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 16/09/2017 ร s 22:25 | Atualizado em: 16/09/2017 ร s 22:25

Agรชncia Brasil (Lรฉo Rodrigues)

 

Com o objetivo de prevenir a violรชncia sexual, diversas mulheres estรฃo encontrando no aplicativo Malalai um aliado para efetuar deslocamentos com mais seguranรงa. Criado pela arquiteta mineira Priscila Gama, ele oferece informaรงรตes que ajudam na escolha da melhor rota, alรฉm de possibilitar que amigos ou parentes monitorem o trajeto e sejam acionados em caso de emergรชncia.

As usuรกrias do aplicativo tรชm acesso a um mapa onde รฉ possรญvel consultar informaรงรตes como iluminaรงรฃo da via, movimentaรงรฃo, existรชncia de ponto comercial aberto, presenรงa de porteiros ou de seguranรงa privada, presenรงa de posto policial e ocorrรชncia anterior de assรฉdio.

“Sรฃo caracterรญsticas muito especรญficas, que o Google Maps, por exemplo, nรฃo informa”, diz Priscila.

Ao mesmo tempo, รฉ possรญvel eleger uma companhia virtual para seguir o trajeto, ou seja, uma pessoa que irรก receber mensagens informando detalhes do deslocamento atรฉ o destino final.

Hรก, na ferramenta, um botรฃo de emergรชncia, que permite pedir socorro de forma รกgil. Ao ser acionado, um alerta com a localizaรงรฃo รฉ enviado para atรฉ trรชs pessoas escolhidas. ร‰ possรญvel ainda criar um atalho deste botรฃo na tela inicial do celular, para que se possa recorrer a ele mais rapidamente.

Por enquanto, a tecnologia sรณ estรก disponรญvel para Android. O aplicativo ainda estรก na fase de testes, mas jรก รฉ bem avaliado. Na Play Store, onde รฉ possรญvel fazer seu download, a mรฉdia das notas concedidas pelas usuรกrias รฉ de 4,6, em uma escala que vai de 0 a 5.

De acordo com Priscila Gama, cerca de 300 mulheres em todo o Brasil jรก fizeram oย download, das quais metade se mantรฉm como usuรกrias ativas. Em fevereiro, o aplicativo deverรก estar disponรญvel para iOS e serรก finalizada a segunda versรฃo para Android.

Para custear todo este desenvolvimento da tecnologia, serรก lanรงado no mรชs que vem uma campanha de financiamento coletivo. A arquiteta espera arrecadar R$ 17 mil.

Outra novidade que deverรก ser anunciada em breve รฉ o lanรงamento de umย hardware, um colar com um pingente que esconderรก um botรฃo de emergรชncia. Inicialmente, 20 usuรกrias irรฃo recebรช-lo gratuitamente.

“Um dos nossos estudos mostrou que mulheres evitam mexer no celular na rua porque acreditam que isso pode atrair violรชncia. Daรญ a ideia de ter, atrelado ao aplicativo, um dispositivo na forma de uma joia ou um chaveiro. Outras peรงas poderรฃo ser criadas no futuro”, afirma Priscila. Ela diz que se a meta de R$ 17 mil do financiamento coletivo for superada, a cada R$ 500 extras serรก doado um colar a uma mulher em situaรงรฃo de vulnerabilidade.

Origem

A ideia do aplicativo surgiu em 2015, quando a organizaรงรฃo nรฃo governamental Think Olga desenvolveu a campanha #PrimeiroAssรฉdio. O objetivo era estimular as mulheres a contar, nas redes sociais, as agressรตes que jรก tivessem sofrido.

“Houve um relato que me chocou muito, que foi o de uma mulher estuprada em um taxi. Ela desmaiou e acordou na rua sentindo dores. Mas ela se lembra de que o taxista desviou da rota e lhe mostrou uma arma. Fiquei pensando que, se alguรฉm estivesse acompanhando o trajeto dela e visse que o carro estava indo em outra direรงรฃo, a histรณria poderia ter sido diferente”, afirma Priscila.

A arquiteta jรก comeรงou a formular a proposta de um aplicativo que traga essa possibilidade e que ajude a enfrentar a realidade do assรฉdio sexual no Brasil.

Dados de um levantamento feito pelo Fรณrum Brasileiro de Seguranรงa Pรบblica (FBSP), associaรงรฃo sem fins lucrativos, mostram que, em 2015, houve um estupro no Brasil a cada 11 minutos e 33 segundos.

Priscila Gama acredita que a realidade รฉ muito pior, uma vez que muitos casos nรฃo sรฃo notificados. Para a arquiteta, o medo do assรฉdio provoca o cerceamento do direito ร  liberdade e tambรฉm traz limitaรงรตes ao crescimento das mulheres.

“Deixar de fazer um curso que ocorre no perรญodo noturno, por exemplo, pode gerar menos possibilidades deย networkingย ou de projeรงรฃo profissional no seu local de trabalho”.

A proposta do aplicativo foi apresentada na Startup Weekend BH 2015, um evento realizado em Belo Horizonte, voltado para a promoรงรฃo de projetos tecnolรณgicos inovadores.

“Como arquiteta, nรฃo tinha familiaridade com o desenvolvimento de aplicativos. Mas qualquer um podia subir no palco e apresentar suas ideias. Houve uma votaรงรฃo e 15 foram selecionadas para serem desenvolvidas. A minha ficou em segundo lugar. E lรก mesmo vocรช faz contatos com pessoas capacitadas que tรชm interesse em desenvolver o projeto com vocรช”, relata a criadora do Malalai.

O projeto recebeu inicialmente o apoio do Lemonade, um programa de prรฉ-aceleraรงรฃo deย startups. Atualmente, o Malalai conta com o suporte do Labora, um laboratรณrio de inovaรงรฃo criado pelo instituto Oi Futuro e que incentiva projetos que tragam soluรงรตes para o desenvolvimento das cidades.

Questionรกrio

No processo de criaรงรฃo da ferramenta, foi aplicado um questionรกrio em mais de 2 mil mulheres, com o intuito de identificar costumes comuns entre elas ao efetuar deslocamentos. A pesquisa evidenciou o hรกbito de avisar conhecidos sobre o destino e a preferรชncia por escolher caminhos com ruas mais movimentadas.

Um segundo levantamento, com 300 mulheres, buscou identificar quais dados seriam relevantes para a escolha do trajeto.

O Malalai busca reunir informaรงรตes de forma colaborativa. As usuรกrias podem consultar o mapa e adicionar dados. Um รญcone, por exemplo, รฉ usado para destacar as ruas com pouca iluminaรงรฃo. Outros mostram onde hรก lojas, porteiro, seguranรงa ou policiamento. Clicando nos รญcones, รฉ possรญvel obter mais informaรงรตes, como os horรกrios em que hรก presenรงa policial ou funcionamento do comรฉrcio.

O nome do aplicativo รฉ uma homenagem ร  paquistanesa Malala, vencedora do Prรชmio Nobel da Paz em 2014. Ela รฉ conhecida por sua luta em defesa do acesso das mulheres ร  educaรงรฃo na regiรฃo de sua terra natal, no nordeste do Paquistรฃo, controlada por talibรฃs que impedem meninas de frequentar escolas. Quando tinha 11 anos, Malala comeรงou a escrever para veรญculos ingleses sobre seu cotidiano. Com o aumento de sua popularidade, ela foi alvo de uma tentativa de homicรญdio, mas sobreviveu. Hoje, aos 20 anos e jurada de morte em seu paรญs, a paquistanesa mora na Inglaterra, onde lidera um movimento internacional pelo direito ร  educaรงรฃo.