A Zona Franca de Manaus (ZFM) é destaque da 60ª edição da revista “Política e Democracia”, publicação da Fundação Astrojildo Pereira, que tem o ex-senador Cristovam Buarque como seu presidente.
Reunindo 27 renomados economistas, professores, pesquisadores e nomes de mercado, em 25 ensaios sobre a situação do Brasil e sugestões para o próximo governo, a revista, que virou livro, traz nessa edição um debate sobre a “Retomada do Desenvolvimento: reflexões econômicas para um modelo de crescimento com inclusão social”.
Na segunda parte da obra, o tema a que se debruçam os autores é o desenvolvimento regional.
E um dos ensaios é escrito pelo professor Mariano Laplane, do Instituto de Economia e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Com o tema “A Zona Franca, o Polo Industrial de Manaus e o futuro da indústria brasileira”, o economista, com o olhar de quem está fora do Amazonas e da ZFM, procura elucidar os paradoxos do modelo industrial à base de incentivos fiscais na visão dos críticos e defensores.
Discorre ainda sobre a trajetória da Zona Franca, desde sua criação, em 1967, passando pelo impacto da abertura de mercado nos anos de 1990, as crises econômicas pelas quais o país viveu e ainda reflete sobre os decretos do governo Bolsonaro sobre a redução do IPI.
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Estímulo e ameaça
De acordo com o economista Mariano Laplane, o decreto do governo federal, que reduz em até 25% a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a economia, foi recebido como uma séria ameaça ao futuro do Polo Industrial de Manaus.
“A redução do IPI foi bem recebida pelo setor industrial e criticada pelos defensores da Zona Franca. Inaugura-se assim mais um capítulo das controvérsias sobre o polo industrial de Manaus.
A atividade industrial em Manaus atravessa um momento muito favorável, após as dificuldades acarretadas pela eclosão da pandemia em 2020.
Em tese, a redução dos impostos embutidos nos preços dos bens de consumo produzidos em Manaus e em outros pontos do país deveria ser bem-vinda, como um estímulo para a demanda. Como entender esse paradoxo?”, pergunta o professor.
Controvérsias da ZFM
Segundo Laplane, os indicadores de atividade do polo industrial de Manaus em 2021 revelaram um desempenho muito positivo, com forte expansão de faturamento, emprego e exportações em relação ao ano anterior.
Por outro lado, o desempenho do polo amazonense contrasta com a virtual estagnação da indústria brasileira de transformação no mesmo período.
Segundo Laplane (foto ), “desde a criação da Zona Franca de Manaus, em 1967, o polo industrial de Manaus é objeto de controvérsias. A concessão de incentivos fiscais para as empresas ali instaladas tem sido motivo de reclamações recorrentes do setor privado e dos governos de outros estados”.
Argumenta-se que provocam o desvio de investimentos que, na ausência dos incentivos, teriam por destino outros locais no país.
Mais recentemente, a concessão de incentivos tem sido também questionada por governos estrangeiros que alegam que gera desvios de comércio.
Importância estratégica
No entanto, a defesa da Zona Franca e de seu polo industrial, em Manaus, aponta que a concessão de incentivos fiscais é um instrumento legítimo e indispensável para promover o desenvolvimento de uma região de importância estratégica.
Esses defensores afirmam ainda que os incentivos amenizam a desvantagem da distância de fornecedores e do mercado consumidor, que dificulta a implantação de atividades econômicas que alavanquem o desenvolvimento regional.
Especificamente em relação ao polo industrial , argumenta-se que a geração de empregos urbanos na atividade industrial contribui para a preservação da floresta e eleva a qualidade de vida da população.
Transformações evidentes
A despeito das controvérsias, os defensores da Zona Franca de Manaus conseguiram articular no Congresso Nacional sucessivas prorrogações do prazo de vigência dos incentivos.
Inicialmente com validade prevista de 30 anos, até 1997, completam, em 2022, 55 anos de vigência e continuarão válidos até o ano de 2073. Se o prazo não for novamente prorrogado, a vigência dos incentivos ultrapassará 100 anos.
“Transcorrido mais de meio século desde a criação da Zona Franca, as transformações ocorridas são evidentes. O polo industrial atraiu investimentos de mais de 500 empresas que atuam nos segmentos eletroeletrônico, bens de informática, metalurgia, química, termoplásticos, mecânica e outros.
Diz ainda que, em resposta aos críticos, a Zona Franca tem procurado induzir as empresas a adensar e aprimorar o processo produtivo no local, a realizar atividades de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e a procurar mercados de exportação, como contrapartida à concessão de incentivos.
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Estudos conflitantes
“Diversos estudos têm sido realizados tentando avaliar se a contribuição ao desenvolvimento regional é proporcional ao significativo esforço fiscal demandado pelos incentivos. A metodologia utilizada e avaliações subjetivas, segundo ele, levam a conclusões conflitantes.
A título de exemplo, a contribuição do polo industrial para reduzir o desmatamento é considerada significativa por alguns estudos e mínima por outros.
Seja qual for a avaliação que se faça sobre a relação custo-benefício dos incentivos, parece evidente que o futuro do polo industrial de Manaus e o do conjunto da indústria brasileira não são independentes.
Tanto um como o outro são fortemente impactados pelas tensões que marcam atualmente a atividade industrial em escala global e pelos impasses da economia nacional.
“É evidente que o futuro da indústria brasileira, inclusive em Manaus, depende do aumento da eficiência, da inovação e da melhoria da infraestrutura logística”, pondera o professor de economia.
Conclusões
Ao encerrar o ensaio sobre a ZFM, Mariano Laplane diz que, após 55 anos de concessão de incentivos, o polo industrial de Manaus não pode depender por mais meio século da renúncia fiscal, especialmente se envolver a manutenção de condições desfavoráveis à competividade da indústria brasileira como um todo.
“A Zona Franca de Manaus precisa de uma estratégia a longo prazo que compatibilize a expansão da produção no polo com o fortalecimento do conjunto da indústria brasileira”, afirma o economista da Unicamp.
Acesse o conteúdo da revista Política Democrática, com os ensaios na íntegra “Retomada do Desenvolvimento – reflexões econômicas para um modelo de crescimento com inclusão social” em: www.fundacaoastrojildo.org.br
Foto: reprodução/R7