Passada uma semana do início do 25º Festival de Cirandas, no dia 1º de setembro, nos perguntamos: afinal, qual é o legado de uma festa grandiosa como a de Manacapuru?
Muito se pode falar sobre a efemeridade desses festivais, que pouco ou nada deixariam para os moradores das cidades onde ocorrem.
Ou que fazem um desserviço social ao apropriarem-se de mitos e causas de povos indígenas e demais grupos sociais amazônicos sem comprometer-se profundamente.
Obviamente, a economia dos municípios recebe um incremento que, muitas vezes, não é experimentado outra vez no ano.
Mas, além do movimento da economia, há um legado não contabilizável em diferentes níveis.
O primeiro deles é a autoestima que se derrama em efeito cascata de dentro das agremiações para fora.
Os que fazem a festa, produzindo ou executando os espetáculos, entendem que podem fazer coisas grandiosas.
As comunidades onde essas festas são feitas, no caso de Manacapuru, os bairros do centro, Terra Preta e Liberdade, são exaltadas nos espetáculos.
Participar delas reforça o sentimento de pertencerem a algo que, afinal, os une e com a qual se identificam.
Os filhos desse município, sentem orgulho da criação de seus conterrâneos. Explicam com dedicação as minúcias e os bastidores de algo que conhecem.
E os amazonenses têm mais um feito do que se orgulhar. Um feito popular.
Os brincantes dos cordões de ciranda não se dedicam profissionalmente aos espetáculos. Porém, são especialistas e únicos no que fazem.
Os cirandeiros são trabalhadores e trabalhadoras quando não estão vestidos de brilhos e babados. Elas e eles não recebem em dinheiro para se apresentar.
Dançam, e como dançam, por paixão àquilo que são capazes de fazer. Algo que só eles fazem: dançar a ciranda de Manacapuru.
Ainda que, já há algum tempo, a ciranda manacapuruense esteja repercutindo seu estilo de dança e formato de espetáculo em outros festivais, como o do Amazonas, que acontece em Manaus, eles são os pioneiros.
Criaram uma linguagem artística própria sobre algo antigo, a ciranda portuguesa. E com sua criação prestam um grande serviço às suas comunidades e espectadores.
Tal como as escolas de samba, elas falam sobre uma ancestralidade. Elas recontam fatos históricos com novas interpretações e perspectivas.
Falam de si para os outros, e para ganhar o festival. Porém, ao fazê-lo, fazem sobretudo para suas comunidades, que então são escolarizadas nos temas que defendem.
A partir do que aprendem, repassam aos outros em uma linguagem belíssima, a do espetáculo de ciranda.
A arte tem esse potencial de transmitir com uma imagem, uma música, ou uma dança, algo complexo, como são as mitologias e cosmovisões indígenas.
A arte extrapola. As críticas sobre a colonização que se fizeram na arena do Parque do Ingá nesse festival de cirandas, podem parecer ingênuas, mas não são.
Embora a crítica racial tenha passado timidamente pelos espetáculos, a crítica aos colonizadores predomina.
Se ainda não é possível ver (nesse caso, de fato ver) todos os aliados, pelo menos, o inimigo, se sabe: a colonização europeia e seus ultrajes.
Esse não é um legado que se possa contabilizar, mas o processo educativo que fica é o da potência criativa, da energia crítica e da autoestima de um povo.
Foto: Divulgação/Secretaria de Cultura