Seca do rio Negro tem a ver com aquecimento global, diz pesquisador
Na seca de 2010, a maior antes desta, ele fez estudo sobre o rio do Amazonas.

Ednilson Maciel, da Redaรงรฃo do BNC Amazonas
Publicado em: 26/10/2023 ร s 16:33 | Atualizado em: 26/10/2023 ร s 16:33
Para o gรฉografo Marcos Freitas, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), hรก indรญcios de que a estiagem no Amazonas estรก relacionada com o aquecimento global do planeta.
Isso porqueย as chuvas na regiรฃo do rio Negro sรฃo formadas sobretudo pelosย deslocamentos de massas de ar provenientes nรฃo do Oceano Pacรญfico, mas do Atlรขntico. Como informa a Agรชncia Brasil.
Especialista em recursos hรญdricos, Marcos Freitas รฉ coordenador executivo do Instituto Virtual Internacional de Mudanรงas Globais (Ivig) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pรณs-Graduaรงรฃo e Pesquisa em Engenharia (Coppe), vinculado ร UFRJ.
Desde 2008, tambรฉm รฉ integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanรงas Climรกticas (IPCC), organizaรงรฃo criada em 1988 no รขmbito daย Organizaรงรฃoย das Naรงรตes Unidas (ONU).
Em 2010, quando o rio Negro enfrentouย outra seca severa, o pesquisador coordenou um estudo para avaliar a situaรงรฃo.
Na รฉpoca, o rioย registrou nรญvel de 13,36 metros, o menor da sua histรณria atรฉ ser superado na estiagem deste ano.
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Avaliaรงรฃo do cenรกrio atual
Com a experiรชncia de quem analisou de forma aprofundada a situaรงรฃo de 13 anos atrรกs, Marcos Freitas conversou com aย Agรชncia Brasilย e avaliou o cenรกrio atual.
Agรชncia Brasilย – O avanรงo do El Niรฑo pode explicar a seca do rio Negro ou รฉ possรญvel associรก-la tambรฉm ao aquecimento global?
Marcos Freitas – Quando estudei a seca de 2010, mapeei o aquecimento do Oceano Atlรขntico, do Oceano Pacรญfico e tambรฉm me debrucei sobre as mudanรงas no uso do solo com o desmatamento. Naquele ano, as รกguas do Atlรขntico tiveram aumento mรฉdio de temperatura mais acentuado. Mas o mรกximo que havia de desvio de temperatura era de 1 a 1,5 grau. Talvez com algum repique a 2 graus. Nesse ano, temos um repique no Oceano Atlรขntico de 4 graus, no hemisfรฉrio norte. Jรก o El Niรฑo tem provocado um repique de 2 graus no Oceano Pacรญfico, e ainda nรฃo รฉ o auge, que serรก mais prรณximo de dezembro. O que a gente observa รฉ que o clima, na regiรฃo do Rio Negro, sofre forte influรชncia das massas de ar que vรชm do Oceano Atlรขntico. Entรฃo, รฉ possรญvel correlacionar sim essa seca com as mudanรงas climรกticas. Estamos notando um repique muito forte no Oceano Atlรขntico.
Agรชncia Brasil – Sem chuvas, os incรชndios florestais podem aumentar?
Marcos Freitas – O perรญodo de queimadas tende a se alongar, com bolhas de calor tanto no Pacรญfico quanto no Atlรขntico impedindo a entrada de umidade. Essas bolhas de calor geram evaporaรงรฃo forte e fazem com que as chuvas caiam mais para dentro dos oceanos e menos dentro do continente. Alimenta, por exemplo, uma temporada de furacรฃo que atinge a costa dos Estados Unidos. Hรก alguma compensaรงรฃo com chuvas a montante no Peru, provocadas pelo El Niรฑo, que podem repercutir na bacia do Rio Madeira. Mas boa parte da chuva que cai na Amazรดnia vem do Atlรขntico. As massas de ar que vem do Atlรขntico sรฃo barradas pela Cordilheira dos Andes, fazendo chover sobre a Amazรดnia. Sem essas chuvas, hรก um efeito muito nefasto na Amazรดnia, principalmente na porรงรฃo mais prรณxima ao Rio Negro. Os efeitos do El Niรฑo sรฃo sentidos mais no Peru, na Bolรญvia e nas fronteiras desses paรญses com o Brasil.
Agรชncia Brasil – Podemos afirmar que os incรชndios florestais tambรฉm influenciam no clima?
Marcos Freitas – Sim. ร uma via de mรฃo dupla. O clima mais seco favorece o desmatamento. E o desmatamento tambรฉm estimula esse clima mais seco. Quando vai se aproximando o verรฃo amazรดnico, as chuvas vรฃo diminuindo. Isso acontece a partir de maio. E o pico รฉ agosto, setembro. Sรฃo os meses mais secos. E รฉ nessa รฉpoca que aumenta o desmatamento. Se o perรญodo seco se alonga, a Amazรดnia fica mais vulnerรกvel ร s queimadas. Com a falta de chuva, a madeira das รกrvores vai perdendo umidade. Alรฉm disso, as chuvas na Amazรดnia tambรฉm sรฃo resultado da evapotranspiraรงรฃo das plantas que estรฃo ali. รrvores, principalmente. Com a remoรงรฃo dessas plantas pelas queimadas, hรก um efeito de reduรงรฃo de chuvas.
Agรชncia Brasil – Jรก existem estudos e modelos climรกticos que simulam os impactos que o aquecimento global pode provocar especificamente na Amazรดnia?
Marcos Freitas – Vรกrios dos modelos consideram a cรฉlula amazรดnica jรก hรก algum tempo. No inรญcio, havia muita incerteza e agora hรก maior precisรฃo. Se a gente conseguir reduzir bruscamente a nossa taxa de desmatamento e estimular o retorno de vegetaรงรฃo na รกrea que foi desmatada, podemos ter um efeito positivo de adaptaรงรฃo, recuperando alguma umidade. Se continuar a aumentar a taxa, teremos uma aรงรฃo contรญnua de reduรงรฃo de umidade. Entรฃo, do ponto de vista das populaรงรตes, vocรช tem que separar aquelas que estรฃo nas grandes cidades daquelas que estรฃo nas รกreas isoladas. Muitas comunidades ribeirinhas, por exemplo, nรฃo tรชm energia elรฉtrica por fio. Hรก geradores que precisam de combustรญvel. Com os rios secos e o transporte por embarcaรงรฃo inoperante, pode ter desabastecimento de combustรญvel. E sem energia elรฉtrica, a preservaรงรฃo de alimentos รฉ afetada, bem como a qualidade de vida das comunidades. Entรฃo, seria preciso se precaver para maior aumento do isolamento: apoiar o uso de energia renovรกvel no interior, estimular a conservaรงรฃo de alimentos e outras medidas que permitam ร s populaรงรตes atravessar esses perรญodos mais difรญceis.
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Foto: Ronaldo Siqueira/especial para oย BNCย Amazonas