“Nós temos que condenar todos aqueles que contribuíram para que esse crime viesse a acontecer”.
A frase é do líder indígena e procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), advogado Eliésio Marubo da Silva.
Ele se referiu ao assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no Vale do Javari, no interior do Amazonas, em 2022.
Em entrevista exclusiva ao BNC Amazonas nesta terça-feira (28), em evento na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Marubo defendeu que a Justiça abra uma nova investigação. Ele defende que todos os envolvidos com o crime sejam condenados.
Conforme afirmou, ele acompanha o processo de “longe”, somente como testemunha de acusação.
Ele disse que “de alguma maneira o Judiciário tem feito sua parte nas fases que são necessárias para o julgamento, enfim, lá no tribunal do juri”.
No entanto, Marubo, que era amigo de Bruno Pereira, disse que sempre apontou omissão no início da investigação, logo após o crime, para chegar a todo o grupo envolvido, que após quase um ano e meio permanece impune.
“Inclusive, estamos levando a júri apenas uma pequena parte desses criminosos, e a outra parte permanece impune. Eu acho que é necessária uma outra investigação que possa de fato trazer esse grande grupo criminoso que atua na região. Nós não podemos condenar apenas três ou quatro, nós temos que condenar todos aquelas que contribuíram para que esse crime viesse a acontecer”.
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À espera de mudanças
Eliésio Marubo afirmou, sobre as ações do governo federal no Vale do Javari após o assassinato, que “mudanças significativas ainda não tivemos”.
“Há uma construção de política pública, e eu realmente espero que o governo federal entenda que é necessário construir essa política pública a quatro mãos. […] Nós esperamos agora que tenha efetividade no governo Lula. Nós temos conversado com o governo Lula de uma forma muito próxima e eu espero que isso venha a acontecer no futuro próximo”.
Ele relembrou que durante o governo Bolsonaro foi buscado diálogo. Porém, disse Marubo, foi negado qualquer tipo de conversa sobre política pública para os povos do Vale do Javari.
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Polêmicas na Amazônia
Além de falar ao BNC Amazonas sobre o caso Dom e Bruno, o líder indígena também comentou outros temas polêmicos da Amazônia.
Por exemplo, a conclusão da BR-319 e a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas e de potássio em terras habitadas pelos indígenas da etnia Mura, em Autazes, no Amazonas.
“Tem que ter um objetivo principal. No caso da BR, o estado do Amazonas precisa construir essa necessidade. Ninguém faz um empreendimento sem ter uma razão. Poderíamos citar por exemplo o escoamento da produção da Zona Franca de Manaus [ZFM], que hoje sai de barco. Se houvesse um estudo que comprovasse que é mais barato sair essa produção via estrada, haveria de fato uma justificativa de interesse da sociedade amazonense, que é o escoamento da produção”.
Conforme Marubo, “essa reflexão tem que ser feita pelo conjunto político do Amazonas, para determinar o que de fato quer. E envolve outros interesses, que é além do interesse local, ou interesse regional, que é, de fato, a preservação [ambiental]”.
Sobre a exploração do petróleo na foz do Amazonas, ele disse pensar da mesma maneira, ressalvando que há formas de explorar as riquezas da Amazônia de forma sustentável.
“Se a classe política se debruçar sobre tema, vai perceber que há, de fato, outras formas de explorar as riquezas da Amazônia que não sejam essa riqueza que já está fadada ao insucesso”.
De acordo com Marubo, há várias experiências semelhantes no Brasil que não tiveram êxito porque não houve investimento profundo e responsabilidade com o meio ambiente.
Sobre a exploração de potássio em Autazes, Marubo disse que a lei manda ouvir o povo originário que habita a região.
“Aparentemente houve essa consulta, mas eu não sei se aconteceu nos parâmetros legais. Mas, se o povo interessado concordar tal qual está determinado na lei, porque a sociedade está dando uma concordância com isso, então se houver uma concordância de fato, tal qual está no regramento, eu não vejo problema algum”.
Apesar disso, ele diz que pessoalmente pode ser gerado riqueza de uma outra maneira, “mas se esse é o pensamento dos parentes Mura, e se isso está formalizado dentro do regramento legal, não vejo problema algum”.
Foto: Divulgação