Bebê tikuna tirado dos pais no Amazonas é devolvido após ação da DPE

Um bebê tikuna foi devolvido aos pais pela intervenção da Defensoria Pública do Estado do Amazonas, após uma decisão precipitada da Justiça em Tabatinga.

Da Redação do BNC Amazonas *

Publicado em: 11/04/2024 às 18:18 | Atualizado em: 11/04/2024 às 18:21

O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) suspendeu decisão de juiz de primeira instância de Tabatinga e devolveu a guarda de bebê tikuna aos pais. A criança indígena ten 3 meses de idade. A ação que levou à decisão foi da Defensoria Pública do Estado (DPE-AM).

O bebê foi retirado dos pais quando o casal, morador da comunidade Belém do Solimões, zona rural de Tabatinga, procurou atendimento de saúde ao filho na cidade.

A criança apresentaria sinais de desnutrição e desidratação.

O conselho tutelar de Tabatinga, diante disso, denunciou os pais ao Ministério Público do Amazonas (MP-AM).

E que, diante do quadro de saúde da criança, os pais estavam resistindo a permitir a transferência para tratamento em Manaus.

Dessa maneira, a promotora do MP acionou a Justiça para tirar a criança da guarda dos pais, o que foi deferido.

Como resultado, o bebê foi logo levado para Manaus, sem seus pais.

O casal só fala a sua língua nativa, mas compreende a português.

Além dessa dificuldade, a Funai não foi acionada para participar desse processo, conforme a ação da DPE.

Diante desses fatos, o desembargador Paulo César Lima, da primeira câmara cível do TJ-AM, julgou que a retirada da criança dos pais foi uma medida precipitada.

A ação, um agravo de instrumento, foi assinada pelo defensor público

Leandro Antunes Zanata, da defensoria do alto rio Solimões.

Zanata afirmou ao magistrado que houve ruído de comunicação e barreira cultural no atendimento da criança nos órgãos públicos.

Ademais, afirmou que a participação da Funai no caso era obrigatória.

Descaso institucional

Conforme o defensor, os pais indígenas foram mal orientados pelos órgãos públicos quando, desesperados, buscaram socorro de saúde para o filho.

“Sofreram todo tipo de descaso institucional e agora foram alijados do convívio com o filho”, disse.

Zanata afirmou ainda que, como decorrência, a decisão do juiz, de suspensão do poder familiar e acolhimento institucional, foi medida extrema.

 “De forma açodada, sem a realização do contraditório prévio que o caso exigia e sem base em elementos sólidos, tendo sido ignoradas as questões étnico-culturais do caso e sem o respaldo em provas suficientes da intenção de maus tratos”, afirmou o defensor.

Ruído de comunicação

De acordo com a DPE, no atendimento inicial, no Dsei em Belém do Solimões, o enfermeiro não relatou a suposta desidratação grave que a criança apresentava.

Após aplicar hidratação na veia, o atendente do posto médico liberou o bebê e seus pais para casa.

Dois dias após o atendimento, a família recebeu a visita da psicóloga e do enfermeiro.

O quadro de saúde da criança já tinha piorado.

“Se a criança, de fato, estivesse com o quadro de saúde bem debilitado, como afirmou a psicóloga ao conselho tutelar, os pais, durante o atendimento, jamais teriam impedido o deslocamento do filho até a unidade hospitalar de Tabatinga, já que eles mesmos haviam procurado o posto para atendimento”, afirmou o defensor.

Para Zanata, os profissionais nada questionaram sobre a questão de saúde da criança.

 “Todas as perguntas foram direcionadas para saber sobre a vida do casal”. 

Com base nisso, acredita que, durante a visita dos funcionários do Distrito de Saúde Indígena (Dsei) – que não estavam acompanhados de intérpretes, tenha ocorrido um ruído na comunicação. 

“Em nenhum momento, os genitores negligenciaram os cuidados com o filho ou apresentaram qualquer tipo de resistência na transferência para tratamento”, disse Zanata. 

Crença em possessão

De acordo com o defensor, a mãe, inclusive, informou aos funcionários que a criança havia piorado um pouco e que levariam o filho ao rezador, pois suspeitavam que ele estivesse possuído por um espírito vingativo, levando em consideração que o pai havia visitado a casa de um caçador que recentemente tinha matado um macaco.

 “Acreditavam piamente que a piora do filho era em decorrência desse infortúnio. Veja-se que há aspectos culturais que demandam análise cautelosa e que foram completamente ignorados no caso”, disse o defensor.

Uma crença tikuna, por exemplo, diz que as crianças podem nascer com algumas características de animais.

Em função da sua condição física, os pais relataram que acreditavam que o filho teria nascido como o coatá, uma espécie de macaco magro.

 Zanata, portanto, disse que a atuação da Funai era necessária para que o poder familiar sobre a criança fosse retirado, o que não aconteceu.

Essa manifestação veio depois, com a Funai, com base em parecer antropológico, apontando que os pais não foram negligentes com o filho.

“Pelo contrário, os próprios genitores buscaram o atendimento especializado e, não tendo ocorrido a melhora, voltaram-se às crenças de seus antepassados”. 

Na decisão que restituiu o poder familiar aos pais, o desembargado citou a manifestação da Funai, que reconheceu que eles “se portaram de acordo com suas crenças e forneceram o tratamento que julgam ser adequado”.

Os pais agora estão em Manaus acompanhando a criança.

*Com informações da DPE.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil