Marco temporal: indígenas vão evitar mesa de conciliação no STF
Nota da Coiab: não aceita negociar direitos.

Iram Alfaia, do BNC Amazonas
Publicado em: 02/08/2024 às 17:41 | Atualizado em: 02/08/2024 às 17:41
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para a próxima segunda-feira (5) o início dos trabalhos da comissão de conciliação a fim de solucionar o impasse político-jurídico em torno do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Contudo, esse espaço de mediação pode não ter a participação do movimento indígena.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgou nota dizendo que não aceita negociar direitos.
O STF já se posicionou pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal e esta nova possibilidade aberta para a conciliação enfraquece a segurança jurídica, tornando o Supremo uma corte imprevisível não apenas quanto ao conteúdo, mas também quanto à forma, diz a nota assinada por seis advogados da entidade.
A tese do marco temporal diz que os povos indígenas só possuem direito aos seus territórios caso estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
O STF julgou inconstitucional essa tese e considerou que os indígenas possuem o direito originário constitucional sobre suas terras ancestrais.
Meses depois o Congresso aprovou projeto que resultou na lei 14.701/2023, resgatando o dispositivo da tese do marco temporal.
Os assistentes e consultores jurídicos da entidade questionam dois pontos considerados cruciais para analisar o problema.
No primeiro, indaga-se se cabe a edição de lei cujo conteúdo já tenha sido julgado inconstitucional pelo STF?
A resposta é sim.
Mas, a nova lei precisa estar embasada em argumentos não enfrentados pelo STF quando da declaração da inconstitucionalidade.
Também é necessário, segundo a assessoria jurídica, que “haja circunstância fática diversa daquela que ensejou a declaração de inconstitucionalidade pela corte”.
“A lei 14.701/2023 não se adequa a nenhum desses dois critérios e, por isso, estamos diante da mesma causa e mesma questão constitucional contida e superada”.
Sendo assim, a lei “nasce com presunção de inconstitucionalidade e as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) sequer deveriam ter sido conhecidas pelo Supremo”.
O segundo questionamento é: cabe conciliação a respeito da constitucionalidade em matéria de direitos indígenas?
A resposta dos assessores é que as partes formais não podem transacionar a respeito de inconstitucionalidade.
Aliás, não há que se falar em partes no controle abstrato nem na contraposição de interesses entre os direitos pleiteados. O interesse é o de verificação de compatibilidade da norma com a Constituição. Designar audiência de conciliação da ADI parece encontrar vedações constitucionais, óbices processuais e, mais ainda, impedimentos democráticos, dizem os advogados.
Também destacam que a comissão especial não supre a consulta livre, prévia e informada que deve ser feita aos indígenas por meio de suas instituições e protocolos próprios.
A conciliação proposta viola a Convenção 169 da OIT, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Isso porque o espaço da comissão especial e das audiências de conciliação que ali tomarão forma não são equiparáveis à consulta livre, prévia e informada, acrescentou a assessoria.
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Foto: @oguajajara /ascom Dep. Célia Xakriabá