Michel Laub, que inspira aos mergulhos internos no passado ou no hoje

Neuton Correa

Publicado em: 25/03/2019 ร s 17:56 | Atualizado em: 25/03/2019 ร s 18:48

Liege Albuquerque*

 

Michel Laub รฉ minha paixรฃo atual na literatura brasileira. Estou no quarto livro dele e me poupando para nรฃo ler os outro quatro e ficar na tristeza que minha filha ficou hรก duas semanas, quando acabou de ler sua primeira saga, o Terra de Histรณrias.

Quem ama (muito) ler e se apaixona por um autor (jรก tive vรกrias paixรตes em sรฉrie, de Clarice Lispector a Simone de Beauvoir, de Virginia Wolf a Lygia Fagundes Teles, de Issac Asimov a Ignรกcio de Loyola, de Paul Auster a Valter Hugo Mรฃe) fica nessa ressaca literรกria depois de prazeres alfabรฉticos.

Conflitos de famรญlia, de casamentos, de dentro da cabeรงa da gente do passado recente ou do passado longรญnquo sรฃo os universos do autor. E que nos inspiram ร  reflexรฃo.

E aqui faรงo uma resenha como sugestรฃo de leitura de toda a obra do autor, mas especificamente do assunto do รบltimo (dos quatro) que li, para mim o mais impactante, โ€œO tribunal da quinta-feiraโ€.

Uma roupa lavada em redes sociais de um fim de relacionamento, sobre essa era em que privacidade รฉ luxo jรก que nรฃo estar nas redes sociais nรฃo quer dizer nada quando querem te encontrar ou destruir sua imagem.

No caso do livro, nรฃo hรก invenรงรตes. Uma mulher no fim do relacionamento descobre que seu marido tinha uma amante metade de sua idade (clichรช) e que trocava mensagens com o melhor amigo com detalhes picantes.

Quando ela descobre a senha, vaza tudo nas redes.

O livro รฉ sobre o estrago, sobre antes de tudo, sobre como se chegou ร quilo. Sob a perspectiva do homem, que รฉ um sujeito frio e cรญnico, sem empatia e imaturo.

โ€œNรฃo houve briga nos รบltimos dias do casamento. Nรฃo houve agressรฃo ou cenas de desespero. Nรฃo houve apelos de reconciliaรงรฃo ou conversas dolorosas em que um dos dois admite erros ou pede desculpas por algo especรญfico e inequรญvoco. Ali estava Teca, mais uma pessoa que eu perderia como um dia perdi Carolina, Ana Paula e Simone. Nada fica desses nomes alรฉm de uma histรณria que facilmente se transforma em indiferenรงa, quando nรฃo em egocentrismo, como a ferida de guerra de alguรฉm apaixonado pelo prรณprio passado, o charmoso homem de meia idade que teve relacionamentos profundos hoje disfarรงados de melancolia, entรฃo nรฃo deixa de ser irรดnico que minha ex-mulher possa ter sido algo alรฉm disso โ€“ alguรฉm com quem tenho outro tipo de marca em comum, das poucas que um ex-marido ou ex-namorado ou ex-contato รญntimo eventual nรฃo consegue esquecer ou romantizar, apenas porque trรชs meses depois de eu ir embora ela me ligou para conversar sobre as mensagens de Walter.โ€ (trecho do livro)

A hipocrisia do protagonista รฉ sentida em frases e explicaรงรตes estapafรบrdias sobre suas escapadas adรบlteras, com piadas cรญnicas e cruรฉis.

Embora qualquer pessoa em sรฃ consciรชncia seja a favor da manutenรงรฃo da privacidade de quem quer que seja, dรก para ter empatia pela mulher ao se ver humilhada e devassada nos emails do marido. ร‰ uma vendetta que nos dรก sororidade.

Mas รฉ crime, รฉ claro, e aqui faรงo um parรชntesis ao รณtimo “Crimes Contra os Direitos da Personalidade na Internet – Violaรงรฃo e Reparaรงรตes de Direitos Fundamentais nas Redes Sociais”, da jornalista e advogada amazonense Luziane Figueiredo, que desnuda o mito de que a internet รฉ uma terra sem lei.

Nรฃo รฉ nรฃo e as leis aos quais os violadores de privacidade estรฃo sujeitos sรฃo as mesmas da vida nรฃo virtual, no cรณdigo civil onde estรก assegurado o direito ร  honra, ร  intimidade, ร  privacidade e ร  imagem, que sรฃo os direitos da personalidade.

Voltando ao livro de Laub, o amigo do protagonista tem aids e confessa nos emails um crime: que estaria passando o vรญrus para parceiros sexuais.

Alรฉm da infidelidade e dos termos chulos com linguajar recheado de ironia e misoginia, a revelaรงรฃo dos emails da dupla machista revela crimes.

No debate inesgotรกvel sobre as redes sociais e os dados privados que a internet consegue muitas vezes ร  nossa revelia, uma das leituras de โ€œmoral da histรณriaโ€ do livro รฉ sempre que a gente ainda pode confessar nossos pequenos grandes crimes aos melhores amigos. Mas ao vivo e em cores. Nunca sob a batuta do intermediรกrio internet, onde nada รฉ privado.

 

*A autora รฉ jornalista e professora no Curso de Comunicaรงรฃo da Faculdade Metropolitana de Manaus (Fametro).