A proposta de regulamentação do uso de redes sociais pelos magistrados brasileiros voltará a ser discutida pelo colegiado do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2020.
O assunto chegou a ser colocado em votação recentemente (plenário virtual), mas devido à relevância da matéria e necessidade de se discutir mais alguns pontos do texto, o processo foi retirado de pauta.
A informação é do conselheiro Rubens Canuto, do CNJ, que participou, em Manaus, do Seminário Liberdade de Expressão na Magistratura, na última quinta-feira, 12, juntamente com outros quatro profissionais convidados para debater o tema do evento, promovido pela Escola Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam).
De acordo com Canuto, o texto da resolução, no geral, trata de recomendações aos magistrados, inspiradas nos Princípios de Bangalore e no Código Ibero-Americano de Ética Judicial; e das condutas vedadas.
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Em junho deste ano, conforme o portal do CNJ, o órgão iniciou a discussão da proposta, fruto de estudos realizados por grupo de trabalho, coordenado pelo conselheiro e ministro Aloysio Corrêa da Veiga.
Esse grupo se preocupou em produzir uma normativa unificada, com caráter pedagógico e disciplinar, regras e recomendações claras e diversificadas voltadas à orientação e proteção dos próprios juízes, de acordo com o voto do ministro.
Em diversos países do mundo já foram editadas regulamentações para uso das redes sociais por parte dos magistrados, segundo Rubens Canuto.
“Já temos regulamentação expressa, por exemplo, em países como Argentina, Austrália, Bélgica, Costa Rica, Escócia, Estados Unidos, França, Inglaterra, Portugal, Nova Zelândia, Itália, México, dentre outros”.
Na Escócia, houve uma proibição aos magistrados para o registro de conta em redes sociais. Na França, a proibição é para manifestação sobre processos que estão sob sua jurisdição ou de outro magistrado.
A Suprema Corte do Chile recomendou aos juízes a adoção de medidas de segurança para a proteção de suas contas nas mídias sociais, evitando o uso por parte de terceiros, além de moderação nas postagens.
Canuto citou ainda regras internacionais que abordam, ainda que indiretamente, a forma de expressão por parte dos magistrados.
“No âmbito internacional, existe o Código Ibero-Americano de Ética Judicial, que estabeleceu uma série de regras visando disciplinar a atuação do magistrado”, afirmou.
Um dos princípios, ainda segundo o conselheiro, é o da “Integridade”, que ganha uma interpretação de decoro no ambiente de trabalho ou em locais públicos.
“O magistrado tem uma responsabilidade institucional e tem que preservar integridade da sua instituição. É impossível separar o cidadão daquele que ocupa o cargo de juiz, e do próprio Poder Judiciário. Uma conduta que o magistrado pratica em sua vida social pode repercutir, muitas vezes de forma negativa, sobre a sua atuação ou a da instituição. O juiz deve se portar de forma condizente com as regras da magistratura porque, se estamos no direito de julgar as demandas do cidadão e apreciar o direito à liberdade, propriedade, à vida, nós temos que transmitir confiabilidade e às vezes essa credibilidade é abalada pelo uso abusivo ou inapropriado das redes sociais”, afirmou o conselheiro do CNJ, citando, durante a sua exposição no seminário da Esmam, um dos princípios do Código de Ética de Bangalore:
“Um juiz, como qualquer outro cidadão, tem direito à liberdade de expressão, crença, associação e reunião de pessoas, mas ao exercer tais direitos, deve sempre se conduzir de maneira tal que preserve a dignidade do ofício judicante e a independência do Poder Judiciário”.
De acordo com o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, os Princípios de Conduta Judicial de Bangalore foram elaborados pelo Grupo de Integridade Judicial das Nações Unidas.
Sua elaboração teve início no ano de 2000, em Viena (Áustria), foram formulados em abril de 2001, em Bangalore (Índia) e oficialmente aprovados em novembro de 2002, em Haia (Holanda).
Esse documento foi elaborado com base em outros códigos e estatutos, nacionais, regionais e internacionais, sobre o tema, dentre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU.
Preocupação
O juiz federal André Granja, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que foi um dos palestrantes convidados do Seminário Liberdade de Expressão na Magistratura, ressaltou que a sociedade atual convive com uma nova realidade dentro das comunicações sociais, que mudaram significativamente na última década, principalmente com a consolidação das redes sociais.
“No caso do juiz, até onde, enquanto cidadão e magistrado, pode se manifestar usando não somente a mídia tradicional, como também as redes sociais, a respeito de temas de interesse da sociedade, política e o próprio sistema judicial?”, disse.
Granja salientou que o juiz tem que ter consciência do seu papel no Poder Judiciário. “Já ocorreu de um juiz se manifestar sobre questões políticas, demonstrando determinado viés ideológico, levando a interpretações de pré-julgamento ou de posição pré-concebida acerca de determinada tendência; isso pode levar ao descrédito da figura do magistrado e até do Judiciário como um todo”, acrescentou, enfatizando que as redes sociais podem ser usadas pelo juiz, claro, pois é um cidadão, mas este não pode esquecer que exerce uma função pública.
Foto: divulgação