Conselheira tutelar que gritou ‘Lula Livre’ ao ser eleita foi exonerada

Conselho da Criança e do Adolescente em Curitiba julgou que ambas eram inidôneas para assumir os cargos

Conselheira tutelar que gritou 'Lula livre' ao ser eleita foi exonerada

Publicado em: 14/02/2021 às 16:49 | Atualizado em: 14/02/2021 às 16:49

Eleitas conselheiras tutelares em Curitiba (PR) no ano de 2019, Aline Castro e Rosana Kloster gravaram um vídeo para comemorar o mandato no órgão encarregado por zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

Nas imagens feitas por um celular elas aparecem abraçadas e gritam “Lula Livre”. Aline também celebra falando alguns palavrões.

O material enviado para poucos amigos, no entanto, foi exposto nas redes sociais sem autorização e elas tiveram seus mandatos cassados sem sequer assumir suas funções.

A primeira promotora a analisar o caso entendeu que Rosana e Aline tiveram seus direitos fundamentais expostos, já que o vídeo foi publicado indevidamente.

No entanto, o Conselho da Criança e do Adolescente em Curitiba julgou que ambas eram inidôneas para assumir os cargos.

Em março de 2020 elas recorreram e Aline tomou posse no mesmo mês. Rosana assumiu em abril, mas a liminar que a sustentava no cargo foi derrubada na última terça-feira (09) e agora ela vai ser exonerada.

O argumento da juíza da 5ª Vara da Fazenda do Paraná, Patrícia Almeida Gomes, é de que não compete ao Tribunal de Justiça rebater uma decisão administrativa do Conselho.

“Me senti violentada, muito triste e chocada, quando o vídeo foi exposto eu fiquei dois dias dentro de casa, sem saber o que fazer, sem tomar ação nenhuma. De lá para cá venho sofrendo, ao mesmo tempo criando forças para superar tudo isso”, lamenta Rosana.

A ofensiva contra Rosana e Aline ganhou corpo após o vídeo ser publicado em um canal no YouTube, que já foi removido da plataforma. No entanto, o material acabou nas redes do MBL e ai começaram os ataques.

“Fiquei preocupada por causa da minha filha, expor a mãe dela dessa forma. Nós saímos na internet como loucas e, de fato, recebemos várias injúrias, inclusive raciais porque a Aline é negra. É muito doído tudo isso para nós”, diz Rosana.

Apesar de fazer boletins de ocorrência por conta dos ataques racistas, os advogados as desencorajaram de acionar o MBL judicialmente.

“Nos informaram que não poderíamos entrar com um processo porque como o vídeo estava publicizado eles teriam direito de pegar o vídeo e fazer comentários”.

O Congresso em Foco procurou o MBL e o grupo afirmou que quem  está decidindo neste momento é o Conselho Tutelar e não o movimento.

“Não temos nada a falar, já foi dito em 2019. Elas quem filmaram, as pessoas esquecem que põem na rede e é eterno. Têm que ter mais responsabilidade, na hora da alegria põe na rede qualquer coisa e depois coloca a culpa nos outros, mas o MBL não teve nenhuma participação nisso, não”.

O movimento disse ainda que “só postou um vídeo que já tinha sido postado. Sem nenhum juízo de valor, diga-se de passagem, a respeito de qualquer outro problema que não fosse o partidarismo de alguém que deveria ser apartidário por estar atendendo crianças e adolescentes”.

Interesse político

Reportagem de João Fellet publicada pela BBC News em outubro de 2019, aponta para uma batalha entre católicos e evangélicos pelo domínio dos Conselhos Tutelares.

A disputa, diz a reportagem, “preocupa entidades de defesa de direitos de crianças e adolescentes, que temem a transformação dos órgãos em instâncias religiosas e em trampolins políticos”.

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Isso por que os mandatos que são de quatro anos passam por eleição popular, ou seja, qualquer eleitor regularizado com a Justiça Eleitoral pode definir quem serão os conselheiros.

Ainda de acordo com a reportagem, muitos daqueles que se elegem como conselheiros posteriormente disputam as eleições para vereadores.

A prática não é ilegal e mesmo não havendo dados sobre a presença de religiosos em conselhos tutelares, o fenômeno tem se intensificado, diz a matéria.

Questionada sobre se o fato de gritar “Lula Livre” poderia interferir em seu trabalho, Rosana é taxativa: “De forma alguma”. “Inclusive recebi informações não oficiais de pessoas de dentro das organizações que o objetivo era me acusar pelo fato do partido. Mas eles não teriam respaldo político para isso e então foram para a questão das palavras de baixo calão”. Aline, que usou palavrões ainda permanece no cargo.

Com a exoneração de Rosana, quem assume é Valdete Ramos, que não tem conexão com religião ou partido político. Ela é professora de Educação Física e já foi diretora de um colégio na capital paranaense.

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Foto: Acervo pessoal