Os resultados acima do esperado da Petrobrás, com lucro recorde de R$ 59,9 bilhões no quarto trimestre, vão beneficiar os acionistas.
Um deles, em particular: a União.
Dos R$ 10,3 bilhões que a estatal vai distribuir em dividendos, uma fatia de R$ 2,9 bilhões será destinada ao acionista controlador, segundo levantamento dos analistas Pedro Nogueira e Shin Lai, sócios da Upside Investor.
Procurada, a Petrobrás confirmou o valor. Estes recursos engordam o caixa da União e podem ser destinados para políticas públicas.
O montante seria suficiente, por exemplo, para pagar 220 milhões de doses da vacina de Oxford.
Trata-se do maior volume de recursos desde que a estatal voltou a pagar dividendos ao Tesouro, em 2018, após anos de prejuízos com as finanças afetadas pela Operação Lava-Jato.
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O pagamento foi anunciado poucos dias depois de o presidente Jair Bolsonaro interferir na empresa, ao anunciar pelas redes sociais na última sexta-feira a indicação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da petroleira, em razão da insatisfação com a política de preços da companhia.
A Petrobras repassa aos valores cobrados na refinaria as variações nas cotações do petróleo e do dólar. Segundo analistas, a paridade de preços é crucial para a lucratividade.
Visão de social
Na quinta-feira, o presidente afirmou que todas as estatais precisam ter “visão de social”, sem dar detalhes, em um evento ao lado do general Silva e Luna no qual foi anunciada a revitalização do sistema de Furnas que transmite a energia produzida por Itaipu. O indicado para comandar a Petrobras é diretor-geral da hidrelétrica.
“Uma estatal, seja ela qual for, tem que ter visão de social. Não podemos admitir uma estatal, um presidente, que não tenha essa visão”, afirmou Bolsonaro, acrescentando que Silva e Luna dará “nova dinâmica” à Petrobras.
“Pode ter certeza que todos aqueles que dependem do produto da Petrobras vão se surpreender positivamente com o seu trabalho quando ele lá assumir”.
Em transmissão nas redes sociais, o presidente se referiu ao desempenho das ações da Petrobras na segunda-feira após o anúncio da troca no comando como “um rebuliço do mercado”.
Foi a segunda maior queda da história da estatal, com recuo de 20% nos papéis.
Nesta quinta, mesmo com resultados acima do previsto, as incertezas pesaram entre os investidores.
As ações ordinárias (com voto) fecharam em baixa de 3,87%, e as preferenciais (sem voto) recuaram 4,96%.
Segundo analistas, a interferência do presidente coloca em risco recursos que beneficiam a própria União.
O risco de mudança de regras afeta o desempenho das empresas. Dados do Tesouro mostram que as estatais têm servido como injeção de ânimo nos cofres públicos.
Em 2019, elas repassaram R$ 20,9 bilhões em dividendos, valor que superou o recorde anterior, de 2014, de R$ 18,9 bilhões. BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras responderam por 92% do total.
Para o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Josué Pellegrini, a interferência de Bolsonaro dificulta a recuperação da economia como um todo.
“Esse tipo de atitude gera incerteza muito grande, causa insegurança nos agentes econômicos, turva os horizontes daqueles que querem tomar decisões de investimentos de longo prazo, e isso afeta apenas um setor específico. Causa impacto na economia”, disse.
Tradicionalmente, os bancos são os maiores pagadores de dividendos à União. Mas a Petrobras voltou a se destacar nos últimos anos.
“Para um governo que trabalhou com Orçamento de Guerra no ano passado, com gastos extraordinários e pagamento de auxílio emergencial, o reforço de quase R$ 3 bilhões no caixa é bem-vindo”, afirmou Lai, responsável pelo cálculo dos dividendos.
Dividendos sociais
Com o auxílio da Petrobrás, o montante de dividendos que o Tesouro deve receber referentes a 2020 pode superar a projeção de R$ 5 bilhões.
Nos bastidores, a equipe econômica estuda avançar em medidas para relacionar o desempenho das estatais à prestação de políticas públicas. Um dos planos, defendido reservadamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é criar o que ele chama de dividendos sociais.
O mecanismo permitiria repassar parte dos ganhos diretamente a cidadãos, por meio de contas voltadas para programas de assistência social.
Paulo Uebel, ex-secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, alerta que os repasses das estatais são revertidos em políticas públicas:
“Uma estatal bem gerida traz lucro e dividendos, dinheiro que vai para o Orçamento da União, para educação e saúde, o que beneficia todos os brasileiros e não apenas uma parcela da população.”
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Foto: divulgação