Setores da política viram com grau de preocupação a ida do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao interior de São Gabriel da Cachoeira , no Amazonas. O pretexto foi o de inaugurar uma pequena ponte improvisada, de madeira, conhecida no linguajar das estradas como pinguela.
Tal pinguela é a menor obra inaugurada por um presidente em toda a história da República no Amazonas. Conforme o Exército, foi construída por apenas 19 militares.
Seu custo: apenas R$ 215 mil.
Um valor que, certamente, é muito menor do que todo o custo que o governo Bolsonaro teve para ir ao município inaugurar a obra. Afinal, deslocar equipes precursoras e comitiva a mais de 2,2 mil quilômetros de Brasília tem alto preço.
Logo, vê-se que a pinguela não passou de justificativa precária para empreender tal energia. Portanto, uma despesa para bancar visita com cara de campanha antecipada, em plena epidemia de doença que já levou quase meio milhão de brasileiros.
Eis a questão.
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Viagem cara
Sobram graus de desconfiança a respeito da verdadeira razão da viagem do presidente ao Amazonas. Em primeiro lugar, foi uma agenda que o Planalto só divulgou quando a mídia começou a noticiar.
Já em São Gabriel da Cachoeira, Bolsonaro iniciou agenda se encontrando com a cúpula do Exército, no território do CMA. Pelo Comando Militar da Amazônia passaram alguns dos mais radicais defensores da ruptura democrática. Por exemplo, os generais Heleno e Villas Bôas. Além destes, mais recentemente, saiu o mais subserviente auxiliar de todos, o general Pazuello.
Não bastasse esse dado, o encontro teve como estrela o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. Este é ferrenho defensor do golpe militar de 1964 contra a democracia do Brasil.
Inclusive, Braga Netto publicou ordem do dia do Exército “alusiva ao 31 de março de 1964”.
Bolsonaro, por sua vez, tem tido a honestidade de expressar publicamente seu desejo autoritário. Exibe, assim, talvez um desejo de ser ele o comandante, como capitão aposentado à força do Exército, de comandar um autogolpe.
Pelo viés democrático, porém, esse projeto está cada vez mais distante. E talvez essa seja uma das inquietações do presidente.
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Em derretimento
Sua má gestão da crise da covid (coronavírus), que é acusada de ser a causa até aqui de parte das quase 500 mil vidas perdidas, vão derretendo seu governo e sua imagem. E isso não só perante os brasileiros.
A cada dia suas falhas na crise ficam mais evidentes. Por exemplo, o erro feio de tratar a covid como “gripezinha”. E que mataria “apenas 800 brasileiros”.
Bolsonaro derrete ainda mais quando as evidências de suas falhas ficam mais robustas. Por exemplo, a teimosia em empurrar remédios de “tratamento precoce” da covid, afrontando a ciência.
Igualmente, estimulou a população a se infectar para obter a chamada “imunidade de rebanho”. Trata-se de outra falácia, sem comprovação médica.
Outra falha mortal para o brasileiro: a demora em comprar vacinas.
Como resultado de tudo isso, as pesquisas eleitorais para 2022 mostram crescentes recordes de reprovação ao seu nome e ao seu governo.
Pior: já vê à sua frente o adversário que evitou em 2018, com a ajuda de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.
Por tudo isso, o senso de dúvida permite olhar para a inauguração da pinguela no Amazonas não como um fim, mas como um meio ou desenho de uma possível conspiração.
Afinal, para essa solenidade, o presidente não convidou nenhuma autoridade civil.
Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República