A razĂ£o da primavera

Autor reflete sobre o embate entre razĂ£o e romantismo, questionando se a lĂ³gica absoluta realmente trouxe um mundo melhor e mais humano.

Por LĂºcio Carril*

Publicado em: 01/03/2025 Ă s 10:52 | Atualizado em: 01/03/2025 Ă s 10:52

É verdade, sou um romĂ¢ntico. E nĂ£o pretendo abrir mĂ£o disso que considero uma qualidade humana.

Escrevo em resposta Ă queles que pensam estar desqualificando meu discurso me chamando de romĂ¢ntico.

O fazem tendo como medida a velha ideia do domĂ­nio absoluto da razĂ£o, esta senhora dizimadora de sonhos e beleza humana.

Cresci ouvindo essa conversa de que devemos nos instrumentalizar da racionalidade para acertar as coisas; que estĂ¡ na razĂ£o o recurso da verdade e o aproveitamento da experiĂªncia. E que tudo que fugir ao raciocĂ­nio lĂ³gico Ă© temerĂ¡rio e de consequĂªncia duvidosa.

AĂ­ fui crescendo e procurando dialogar com as vĂ¡rias razões que nos cercam. Na ciĂªncia, desfiz minhas crenças religiosas. Na filosofia, vi a força do ethos. Na religiĂ£o, descobri a positividade dos dogmas. E mesmo no senso comum extraĂ­ algum tipo de razĂ£o instrumental.

Quando achei que tinha descoberto uma forma de entender e mudar o mundo descobri que todas as razões, e atĂ© mesmo a mais soberba delas, foram e sĂ£o as responsĂ¡veis pela construĂ§Ă£o do mundo que temos, desamparado de ternura e de romantismo.

A razĂ£o nĂ£o sĂ³ profanou mentes e convicções, como destruiu possiblidades de diĂ¡logo com valores humanos imprescindĂ­veis para edificaĂ§Ă£o de uma humanidade desenvolvida e plena.

Foi com a razĂ£o que se fizeram duas guerras mundiais e no seu berço se viu a opressĂ£o persistir. Foi na razĂ£o que a bomba atĂ´mica caiu sobre Hiroshima e Nagasaki. Foi em nome da razĂ£o que a opressĂ£o do capital prosperou, arrancando a carne de idosos e crianças.

NĂ£o. NĂ£o Ă© essa a razĂ£o que um dia iluminou pensadores e chegou a nutrir a esperança de um mundo mais fraterno.

Sigo romĂ¢ntico, sim, com muito orgulho e vontade de mudança, mas nĂ£o me venha dizer que a razĂ£o que vocĂª defende nos fez melhor ou socializou bens e qualidade de vida.

Se houver uma razĂ£o de vida e esperança, que ela seja a da primavera.

*O autor Ă© sociĂ³logo.

Foto: divulgaĂ§Ă£o