“Guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é força”. Esse é o lema do “Partido”, que governa a Oceania, sociedade ficcional criada por George Orwell em seu romance intitulado 1984 .
Analisando os últimos acontecimentos políticos no Brasil, a impressão que dá é a de que Orwell embarcou no De Loeran DMC-12, viajou no tempo em direção ao futuro e veio parar no Brasil exatamente hoje, dia 7 de setembro de 2021.
Baseado no que viu e ouviu, Orwell escreveu seu romance, publicado em 1949, cujo enredo retrata uma sociedade distópica, com um Estado extremamente totalitário que, sob a vigilância de um Big Brother, procura mudar a história de seu povo, reescrevendo-a.
Esse governo criou até um novo idioma, a novafala ou novilíngua , que buscava restringir o pensamento de seus falantes ao alterar suas possibilidades de expressão. Em meio a tudo isso, o Estado “vigiava e punia”, como nos diria Michel Foucault, os que se manifestavam contra o novo regime.
À semelhança do romance de Orwell, no Brasil de Bolsonaro, ou melhor, na sociedade distópica do Bolsonaristão, há uma forte tentativa de reescrita da história e de perseguição a quem se opõe ao governo.
Há também uma forte campanha para eliminar de vez o pensamento crítico e a capacidade de reflexão dos sujeitos. O ato de pensar, no Bolsonaristão, passou a ter o mesmo significado que tinha na Oceania de Orwell: “significa não pensar – não ter necessidade de pensar. Ortodoxia é inconsciência”.
A meta do atual governo, desde 1º de janeiro de 2019, é fazer com que “todo conhecimento real de velhafala ” desapareça, que “toda a literatura do passado” seja destruída, inventando, inclusive, novas narrativas sobre eventos históricos como a ditadura militar brasileira.
Como na Oceania, “Chaucer, Shakespeare, Milton, Byron existirão somente em suas versões em novafala , em que, além de transformados em algo diferente, estarão transformados em algo contraditório com o que eram antes”.
Na Oceania de Orwell, a função do “Departamento de Documentação” do “Ministério da Verdade” é mudar os arquivos jornalísticos do passado e reescrevê-los na novafala . Na prática, isso significa alterar dados e informações, tudo de acordo com os interesses do “Partido”.
Quanta semelhança!
No Bolsonaristão, o “Departamento de Documentação” chama-se “Gabinete do Ódio”, órgão responsável pela alteração de dados, manipulação de informações, destruição de reputações e perseguição de adversários políticos.
Aliás, coube a esse Gabinete, desde o início do governo, a criação e a manutenção de um “Estado de Guerra” permanente.
Isso foi deveras importante para o afloramento do “nacionalismo” e do “patriotismo” da população, apesar de algumas operações policiais recentes terem revelado que, em muitos casos, eles não são genuínos.
Mas, o Estado beligerante é essencial; afinal, ter um inimigo constante, mesmo que ele seja imaginário, é fundamental para a construção da justificativa de que “as coisas só irão melhorar depois que o inimigo for derrotado e a guerra for vencida”.
É tudo mentira!
O pano de fundo desse permanente “Estado de Guerra” mostra que sua finalidade é evitar que os oposicionistas ao governo se unam contra a destruição das instituições, a perda de seus direitos trabalhistas, a censura, a violência, a degradação da natureza, a corrupção etc.
Mas, para os nacionais do Bolsonaristão, a mentira passou a ser verdade, esta, por sua vez, passou a ser mentira. Eles/Elas estão em uma outra realidade, estão imersos em uma profunda e irreversível distopia.
Na novafala do Bolsonaristão, “guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é força”. Por isso, precisamos compreender que, neste 7 de setembro, quando pedem democracia e liberdade, estão, na verdade, pedindo censura e ditadura.
Está tudo invertido, como no romance de Orwell: ignorância é força, com vilões podendo ser transformados em heróis. E essa ignorância é justamente o que dá força aos governantes, retroalimentado seu poder.
Como Paulo Freire, recorrendo a Hegel, escreveu: “na consciência do oprimido, reside a verdade do opressor”. Portanto, não devemos nos iludir, visto que, como dito, está tudo invertido.
Neste dia 7 de setembro de 2021, guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força, verdade é mentira, independência é morte. Onde você fica em meio a tudo isso?
O autor é sociólogo.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil