AGU de Bolsonaro não quis indenizar filhas de morta sem oxigênio em Manaus

Advocacia Geral da União recorreu com o argumento que as filhas buscavam "enriquecimento sem causa"

Diamantino Junior

Publicado em: 10/01/2023 às 17:28 | Atualizado em: 12/01/2023 às 17:15

A professora Marlene Almeida de Oliveira, 51, se recuperava da covid-19 em uma unidade estadual de saúde em Manaus quando faltou oxigênio às 9h20 de 14 de janeiro de 2021. Sem o insumo, ela morreu uma hora depois.

Sob Bolsonaro, o governo federal — com o Estado e município — foi condenado a pagar uma indenização de R$ 200 mil para cada uma das três filhas da vítima.

Para tentar reverter a condenação da Justiça Federal da 1ª Região, a AGU (Advocacia Geral da União) recorreu com o argumento que as filhas buscavam “enriquecimento sem causa”.

“O valor de R$ 600.000 (…) é exorbitante e induz a um enriquecimento sem causa. A indenização por dano moral não pode se transformar em fonte de enriquecimento imotivado das vítimas. Qualquer quantia que exorbite o razoável não deve mais ser vista como indenização e, sim, como enriquecimento indevido. Eventualmente, que o valor da indenização seja proporcional, a fim de se evitar o enriquecimento indevido”, diz a AGU.

Os principais argumentos do governo Bolsonaro foram:

Epidemia imprevisível;

O governo federal adotou medidas suficientes;

A responsabilidade é do governo local, não da União;

Faltaram provas que relacionassem a morte à falta de oxigênio.

Procurada, a AGU não respondeu até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

Filha pergunta ‘qual o valor de uma vida?’

Uma das filhas de dona Marlene, Mayara Almeida de Oliveira, 33, diz que nunca buscou enriquecimento, embora tenha uma vida simples. Após a morte, ela recolheu objetos da mãe para mobiliar o único cômodo que alugou na periferia de Manaus.

“Nós trabalhamos, assim como minha mãe trabalhava. Ela nos ensinou que, para enriquecer, precisamos arregaçar nossas mangas e trabalhar”, destacou Mayara.

“Não estamos pedindo dinheiro do governo. Houve negligência: pessoas foram mortas asfixiadas, e minha mãe é uma delas”, continua.

“Ela pagava seus impostos, mas quando precisou de um insumo para se curar, não teve. Qual é o valor de uma vida?”, perguntou.

‘Defesa fria’

“É uma defesa genérica, técnica e fria”, lamenta a advogada das filhas, Karina Câmara. “Dizer que existe intenção de enriquecimento ilícito tem pouco a ver com o que aconteceu. São três filhas, três famílias.”

“O valor é mais para responsabilizar quem causou a morte, porque nada vai trazer a mãe delas de volta. É uma satisfação para que as filhas saibam que alguém foi responsabilizado por o que aconteceu”, ressaltou a advogada.

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As investigações ainda não estimaram quantas pessoas morreram por falta de oxigênio no Amazonas e nenhuma autoridade foi condenada até agora.

Um dos investigados é o general da reserva, ex-ministro da Saúde e deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ). Ele é suspeito de demorar para atuar, mesmo após ter sido avisado por autoridades sobre a crise no estado.

Leia mais na matéria de Wanderley Preite Sobrinho no UOL

Foto: arquivo da família