Amazônia: alertas de desmatamento até julho caem mais de 40%

Alertas de desmatamento na AmazĂ´nia registram queda expressiva em 2023, indicando uma mudança positiva na luta contra a devastaĂ§Ă£o florestal. Governos, empresas e iniciativas de sustentabilidade desempenham papĂ©is fundamentais nesse processo de conservaĂ§Ă£o.

Publicado em: 01/09/2023 Ă s 14:37 | Atualizado em: 01/09/2023 Ă s 14:37

Contrariando a tendĂªncia de aumento do desmatamento na AmazĂ´nia observada nos anos anteriores, novos dados provenientes do sistema Deter, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e divulgados pelo MinistĂ©rio do Meio Ambiente no inĂ­cio de agosto, revelam uma reduĂ§Ă£o significativa nos alertas de desmatamento.

De janeiro a julho de 2023, a queda foi de impressionantes 42,5%, e somente no mĂªs de julho, a reduĂ§Ă£o em comparaĂ§Ă£o com o mesmo perĂ­odo de 2022 atingiu 66%. O ano de 2023 jĂ¡ apresenta uma reduĂ§Ă£o de 7,4%, abrindo perspectivas para a diminuiĂ§Ă£o da devastaĂ§Ă£o florestal ainda neste ano.

Essa marca representa a segunda menor quantidade de alertas registrados desde o inĂ­cio da sĂ©rie histĂ³rica do Deter, iniciada em 2015. AlĂ©m disso, os dados indicam que em julho deste ano foram desmatados 500 quilĂ´metros quadrados (km2) da floresta amazĂ´nica, em contraste com os 1.487 km2 desmatados no mesmo mĂªs no ano anterior. No perĂ­odo de agosto de 2022 a julho de 2023, a Ă¡rea de alertas totalizou 7.952 km2, em comparaĂ§Ă£o com os 8.590 km2 registrados no mesmo intervalo entre 2021 e 2022.

O sistema Deter desempenha um papel crucial ao monitorar em tempo quase real o desmatamento na AmazĂ´nia por meio de imagens de satĂ©lite, fornecendo informações Ă¡geis para auxiliar a fiscalizaĂ§Ă£o conduzida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovĂ¡veis (Ibama).

No entanto, Ă© importante destacar que esses dados sĂ£o menos precisos do que os do Projeto de Monitoramento do Desmatamento da AmazĂ´nia Legal por SatĂ©lite (Prodes), que anualmente calcula a taxa oficial de desmatamento.

Em abril deste ano, o Inpe divulgou os resultados consolidados do Prodes referentes ao desmatamento na AmazĂ´nia no perĂ­odo entre agosto de 2021 e julho de 2022. Nesse perĂ­odo, a taxa de desmatamento foi de 11.594 km2, representando uma reduĂ§Ă£o de 11,08% em relaĂ§Ă£o a 2021.

Maiores desmatadores

É importante ressaltar que os estados do ParĂ¡, Amazonas, Mato Grosso e RondĂ´nia foram responsĂ¡veis por 87,65% do desmatamento registrado. No entanto, esses nĂºmeros nĂ£o refletem o perĂ­odo prĂ©-eleitoral de 2022, entre agosto e outubro, quando os alertas de desmatamento dispararam.

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Ao longo dos anos, a anĂ¡lise do Prodes revelou flutuações no desmatamento na AmazĂ´nia. Durante o governo Lula (2003 a 2010), houve uma reduĂ§Ă£o, atingindo seu ponto mĂ­nimo durante os mandatos de Dilma Rousseff (2010 a 2016), quando chegou a 4.571 km2.

No entanto, sob a administraĂ§Ă£o de Jair Bolsonaro, o desmatamento aumentou consideravelmente, atingindo 13.038 km2 em 2021.

Brasil no caminho certo

De acordo com Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP) e copresidente do Painel CientĂ­fico para a AmazĂ´nia, o Brasil estĂ¡ caminhando na direĂ§Ă£o certa para cumprir a meta de zerar o desmatamento na AmazĂ´nia atĂ© 2030.

Ele ressalta que mais de 90% dos desmatamentos na regiĂ£o sĂ£o ilegais, mas as ações dos governos federal e estaduais estĂ£o demonstrando eficĂ¡cia, resultando em uma rĂ¡pida reduĂ§Ă£o.

A principal causa da devastaĂ§Ă£o da floresta ainda Ă© a expansĂ£o da pecuĂ¡ria, que frequentemente envolve desmatamento ilegal, incluindo Ă¡reas griladas. Parte dessas terras estĂ¡ em processo de regularizaĂ§Ă£o fundiĂ¡ria pelo Congresso Nacional. Nobre enfatiza que muitos pecuaristas vendem suas terras para sojicultores, e a soja cultivada em terras jĂ¡ legalizadas Ă© adquirida por grandes empresas.

No entanto, Nobre acredita que Ă© possĂ­vel reverter o quadro de desmatamento ilegal, citando o exemplo de 2012, quando o desmatamento na AmazĂ´nia caiu 83% em comparaĂ§Ă£o com 2004.

Ele destaca que, embora seja desejĂ¡vel alcançar a meta de zerar o desmatamento como polĂ­tica governamental antes de 2030, a emergĂªncia climĂ¡tica pode exigir uma reduĂ§Ă£o ainda mais rĂ¡pida, talvez atĂ© 2025 ou 2026.

Otimismo na reduĂ§Ă£o do desmatamento

Ane Alencar, diretora de ciĂªncia do Instituto de Pesquisa Ambiental da AmazĂ´nia (Ipam) e coordenadora do Mapbiomas Fogo, tambĂ©m expressa otimismo em relaĂ§Ă£o Ă  reduĂ§Ă£o do desmatamento na AmazĂ´nia nos prĂ³ximos anos. Ela elogia a nova abordagem do governo atual na questĂ£o ambiental, que envolve a coordenaĂ§Ă£o de ações estratĂ©gicas entre diversos ministĂ©rios para combater o desmatamento de maneira mais eficaz.

Em colaboraĂ§Ă£o com o governo federal, os Estados da AmazĂ´nia Legal Brasileira (ALB) desempenham um papel crucial na luta contra o desmatamento e na preservaĂ§Ă£o das florestas.

Ações prĂ¡ticas

Amazonas e ParĂ¡, por exemplo, estĂ£o adotando uma sĂ©rie de medidas para agilizar o licenciamento ambiental, reforçar a fiscalizaĂ§Ă£o, combater as queimadas, apoiar as prefeituras, priorizar a agricultura familiar por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e impulsionar a bioeconomia.

Essas iniciativas jĂ¡ estĂ£o produzindo resultados significativos. O Amazonas registrou uma reduĂ§Ă£o de mais de 80% nos alertas do Deter em julho, em comparaĂ§Ă£o com 2022, e uma diminuiĂ§Ă£o de 62% no primeiro semestre deste ano.

No passado, o estado jĂ¡ liderou a lista de desmatamento, o que, segundo Eduardo Taveira, secretĂ¡rio do Meio Ambiente do Amazonas, se deveu ao modelo econĂ´mico baseado em commodities agrĂ­colas, como a soja, a pecuĂ¡ria e a exploraĂ§Ă£o de minĂ©rios, levando Ă  desindustrializaĂ§Ă£o.

No ParĂ¡, o desmatamento caiu 39% de janeiro a julho de 2023, de acordo com o Deter. Mauro O’ de Almeida, secretĂ¡rio do Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado, atribui essa melhora Ă  contrataĂ§Ă£o de cem fiscais, um aumento significativo em relaĂ§Ă£o aos dez profissionais anteriores.

Essa aĂ§Ă£o resultou em uma reduĂ§Ă£o superior a 50% no desmatamento de julho de 2023 em comparaĂ§Ă£o com o mesmo mĂªs de 2022.

As chamadas Operações Curupira tambĂ©m contribuĂ­ram para uma reduĂ§Ă£o de 40% na participaĂ§Ă£o dos municĂ­pios que mais desmatam.

Fundo AmazĂ´nia

No governo Lula, retomou a anĂ¡lise de 14 projetos que jĂ¡ haviam passado pela etapa de elegibilidade ou enquadramento, um processo anterior Ă  aprovaĂ§Ă£o e contrataĂ§Ă£o.

AlĂ©m disso, o ComitĂª Orientador do Fundo AmazĂ´nia (Cofa) anunciou em julho deste ano a atualizaĂ§Ă£o de diretrizes e critĂ©rios para a aplicaĂ§Ă£o dos recursos nos prĂ³ximos dois anos. AtĂ© julho de 2025, o fundo pretende apoiar projetos alinhados ao Plano de AĂ§Ă£o para PrevenĂ§Ă£o e Controle do Desmatamento na AmazĂ´nia Legal (PPCDAm), que foi relançado pelo governo atual.

SerĂ£o priorizadas iniciativas voltadas para comunidades tradicionais e agricultura familiar, recuperaĂ§Ă£o e preservaĂ§Ă£o de florestas pĂºblicas e regularizaĂ§Ă£o fundiĂ¡ria.

Outras metas incluem o fortalecimento da fiscalizaĂ§Ă£o do desmatamento em Ă¡reas privadas registradas no CAR e o apoio a atividades produtivas sustentĂ¡veis.

AlĂ©m dos esforços dos governos federal e estaduais, diversas empresas tambĂ©m estĂ£o adotando ações eficazes de sustentabilidade ambiental. A BiofĂ­lica Ambipar, com mais de 15 anos de experiĂªncia no mercado de crĂ©ditos de carbono, tem como missĂ£o tornar a conservaĂ§Ă£o de florestas uma atividade economicamente viĂ¡vel.

A empresa estĂ¡ envolvida em 13 projetos na AmazĂ´nia, um no Pantanal e outro para a restauraĂ§Ă£o da Mata AtlĂ¢ntica. Seu projeto mais significativo, o Jari, na AmazĂ´nia, abrange uma Ă¡rea de 900 mil hectares de floresta nativa.

Outro projeto na regiĂ£o, o JacundĂ¡, ocorre dentro de uma reserva extrativista com a participaĂ§Ă£o de mais de 60 famĂ­lias. Esses projetos sĂ£o classificados como REDD+, focados na reduĂ§Ă£o das emissões devido ao desmatamento e Ă  degradaĂ§Ă£o.

A BiofĂ­lica Ambipar estĂ¡ em vias de alcançar 5 milhões de toneladas de crĂ©ditos de carbono, o dobro de sua capacidade hĂ¡ dois anos, e tem como meta atingir 10 milhões de toneladas por ano antes de 2030, alĂ©m de diversificar suas atividades.

A Vale, uma das maiores empresas do paĂ­s, tambĂ©m estĂ¡ envolvida em diversos projetos que contribuem para a conservaĂ§Ă£o da floresta amazĂ´nica. Nos Ăºltimos dez anos, a empresa investiu mais de R$ 1 bilhĂ£o em ações de proteĂ§Ă£o, pesquisa, desenvolvimento territorial e apoio Ă  cultura. Eduardo Bartolomeo, presidente da Vale, destaca que a empresa atua em ações de proteĂ§Ă£o ecossistĂªmica, educaĂ§Ă£o, parcerias para o desenvolvimento local e o fortalecimento de negĂ³cios sustentĂ¡veis, tanto diretamente quanto por meio de veĂ­culos de investimento social privado.

O Fundo Vale, por exemplo, aportou recursos significativos ao longo de 13 anos, destinando R$ 269 milhões atĂ© dezembro de 2022 para 109 projetos. Esses recursos beneficiaram 80 parceiros, 80 municĂ­pios, protegeram 23 milhões de hectares de Ă¡reas, aceleraram 324 negĂ³cios com impacto socioambiental positivo, beneficiaram 18,5 mil produtores rurais e extrativistas, alĂ©m de contribuir para a recuperaĂ§Ă£o de 7.392 hectares por meio de negĂ³cios com impacto.

Um exemplo notĂ¡vel Ă© o investimento do Fundo Vale em 2020 na criaĂ§Ă£o da empresa Belterra, que visa produzir 60 mil toneladas de cacau, equivalente Ă  produĂ§Ă£o total do ParĂ¡, gerando 2 mil empregos rurais diretos e milhares ao longo da cadeia logĂ­stica, alĂ©m de fomentar uma indĂºstria de processamento no estado.

O investimento total previsto para alcançar os 40 mil hectares de sistemas agroflorestais de cacau da Belterra Ă© de R$ 1,2 bilhĂ£o, com um custo mĂ©dio de R$ 30 mil por hectare.

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Foto: Greenpeace/divulgaĂ§Ă£o