Um estudo publicado recentemente na revista Current Biology pelo projeto Synergize, do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos do CNPq, revelou uma desigualdade significativa na distribuição de pesquisas científicas em diferentes áreas da Amazônia.
Com base em informações de 7.694 pontos de coletas ecológicas padronizadas e critérios diversos, os cientistas desenvolveram um modelo que estimou a probabilidade de pesquisa em todo o território.
Os resultados mostraram que mais da metade das terras firmes, cerca de um quarto dos ambientes aquáticos e um sexto das florestas alagáveis da Amazônia possuem uma probabilidade quase nula de serem alvo de estudos científicos com coletas padronizadas de organismos.
Fatores logísticos, como a presença de meios de transporte e a distância em relação a grandes cidades e centros de pesquisa, foram identificados como influenciadores significativos na escolha dos locais de coleta.
De acordo com o modelo, aproximadamente 15% das áreas com menor probabilidade de pesquisa estão sujeitas a sofrer severas alterações até 2050, devido às mudanças climáticas e outras formas de degradação causadas pela ação humana.
Além da perda da biodiversidade e dos benefícios que ela proporciona às pessoas, a falta de pesquisa nessas regiões impede a compreensão de como os organismos desses ecossistemas estão respondendo às mudanças climáticas e à degradação ambiental.
Compreender a organização da biodiversidade amazônica atual é essencial para comparar com futuras mudanças e avaliar seus impactos.
Segundo Mario Moura, autor do artigo e especialista em lacunas de conhecimento sobre biodiversidade, é necessário estabelecer um antes e um depois para compreender as transformações. No entanto, no momento atual, não se sabe nem o antes nem o depois, o que compromete a análise e a capacidade de resposta às mudanças.
As dificuldades logísticas e os custos associados às expedições científicas na Amazônia são consideráveis. A viagem até áreas remotas pode levar dias, seja por via fluvial ou aérea, e exige um alto investimento financeiro. Além disso, a falta de infraestrutura, como estradas em boas condições, dificulta o acesso a determinadas regiões.
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O professor Fabrício Baccaro, da Universidade Federal do Amazonas, ressalta que o valor disponibilizado para pesquisa em áreas mais remotas não é equivalente aos desafios enfrentados. O pesquisador destaca a importância de considerar as diferenças geográficas na distribuição dos recursos de pesquisa, reconhecendo que a realidade de deslocamento e custos varia amplamente na região amazônica.
Uma alternativa apontada pelo estudo é o desenvolvimento de parcerias científicas com povos indígenas, uma vez que as Terras Indígenas (TIs) representam uma parte significativa das áreas preservadas da Amazônia. No entanto, as TIs também possuem baixa probabilidade de pesquisa, devido à distância física e à necessidade de estabelecer uma relação de respeito e colaboração com as comunidades indígenas.
Os pesquisadores defendem a importância da coprodução do conhecimento, em que cientistas e indígenas trabalham juntos na pesquisa e na preservação ambiental. Essa abordagem considera as perspectivas da decolonialidade e busca uma interlocução entre diferentes saberes.
A disponibilidade e compartilhamento de dados também são aspectos fundamentais para a pesquisa científica. O projeto Synergize desenvolveu a base de dados chamada Taoca, que reúne informações ecológicas padronizadas sobre a Amazônia.
A plataforma permite que cientistas de todo o mundo tenham acesso aos dados e estabeleçam parcerias com os responsáveis pelas coletas.
Os desafios enfrentados na pesquisa científica na Amazônia exigem uma abordagem multidisciplinar, considerando não apenas as questões logísticas, mas também as diferenças culturais e a necessidade de envolver as comunidades locais.
A abertura de editais de apoio à pesquisa que considerem essas demandas específicas pode contribuir para a realização de novos projetos e a ampliação do conhecimento sobre a região.
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Foto: divulgação