AmazĂ´nia: como mudanças climĂ¡ticas influenciaram genĂ©tica de pĂ¡ssaros
Os achados podem contribuir para a anĂ¡lise de possĂveis efeitos do aquecimento global, fenĂ´meno atualmente em curso

Da RedaĂ§Ă£o do BNC Amazonas
Publicado em: 25/04/2024 Ă s 09:41 | Atualizado em: 25/04/2024 Ă s 09:47
As mudanças climĂ¡ticas naturais ocorridas ao longo de milhares de anos na AmazĂ´nia influenciaram na genĂ©tica de pĂ¡ssaros gĂªnero Willisornis, conhecidos como rendadinhos ou formigueiros.
É o que aponta um estudo brasileiro que vinha sendo desenvolvido desde 2016 atravĂ©s da colaboraĂ§Ă£o de diferentes instituições cientĂficas. A informaĂ§Ă£o Ă© da AgĂªncia Brasil.
Dessa forma, os resultados foram descritos em um artigo publicado ontem (24) na revista cientĂfica Ecology and Evolution.
Trata-se de uma publicaĂ§Ă£o internacional voltada para a divulgaĂ§Ă£o de pesquisas em ecologia, evoluĂ§Ă£o e ciĂªncias da conservaĂ§Ă£o.
Apesar de tratar de eventos passados, os achados podem contribuir para a anĂ¡lise de possĂveis efeitos do aquecimento global, fenĂ´meno atualmente em curso impulsionado pela aĂ§Ă£o do homem no planeta.
Segundo a informaĂ§Ă£o da AgĂªncia Brasil, o estudo foi coordenado pelo Instituto TecnolĂ³gico Vale – Desenvolvimento SustentĂ¡vel (ITV-DS).
Desse modo, criado em 2010 com sede em BelĂ©m, trata-se de um braço da mineradora Vale dedicada ao fomento da pesquisa cientĂfica.
Houve ainda envolvimento da Universidade Federal da ParaĂba (UFPB), da Universidade Federal do ParĂ¡ (UFPA) e da Universidade de Toronto, no CanadĂ¡.
Segundo o biĂ³logo Alexandre Aleixo, pesquisador do ITV-DS que liderou o estudo, os pĂ¡ssaros do gĂªnero Willisornis sĂ£o considerados bioindicadores naturais da AmazĂ´nia.
Significa que sĂ£o seres vivos que podem ser utilizados para avaliar a qualidade ambiental do bioma onde vivem.
Os pĂ¡ssaros do gĂªnero Willisornis sĂ³ vivem prĂ³ximos ao solo de floresta Ăºmida. Eles nĂ£o conseguem habitar em nenhum outro ambiente. EntĂ£o eu posso dizer que a distribuiĂ§Ă£o dele indica a presença de floresta Ăºmida. Pode parecer redundante. Mas quando a gente olha para o contexto histĂ³rico e prova, atravĂ©s da pesquisa cientĂfica, que os Willisornis estavam presentes nessa regiĂ£o da AmazĂ´nia hĂ¡ 400 mil anos, temos um indicativo muito seguro de que a floresta tambĂ©m estava presente nesse lugar, naquele perĂodo, explica Aleixo.
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Estudo
O estudo envolveu o sequenciamento do genoma completo de nove pĂ¡ssaros, oito deles realizados pelos pesquisadores brasileiros e um por cientistas canadenses.
As informações contidas no DNA das aves passaram por uma anĂ¡lise. Modelos computacionais foram usados para compreender questões como a dinĂ¢mica do tamanho das populações e as relações de parentesco entre os indivĂduos.
Aleixo explica que foi realizada uma anĂ¡lise coalescente, que permite obter um retrato retrospectivo da genĂ©tica populacional.
É a mesma tĂ©cnica usada nos testes de ancestralidade, que se popularizaram nos Ăºltimos anos na Europa e nos Estados Unidos e que tambĂ©m jĂ¡ existe no Brasil.
Por meio deles, Ă© possĂvel obter, a partir de uma amostra de saliva, informações do genoma de qualquer pessoa.
O teste irĂ¡ mostrar as origens geogrĂ¡ficas do DNA, indicando as regiões de onde vieram seus ancestrais, e pode revelar outras informações como o risco de desenvolver determinadas doenças. No Brasil, jĂ¡ existem empresas ofertando o serviço que prometem revelar o passado com base em dados de atĂ© oito gerações.
No caso dos Willisornis, a gente tambĂ©m buscou essa cĂ¡psula do tempo que estĂ¡ registrada no DNA e ela nos permitiu que a gente chegasse numa resoluĂ§Ă£o de 400 mil anos para cĂ¡, para o genoma de cada indivĂduo. A dataĂ§Ă£o Ă© amparada por vĂ¡rios estudos, explicou Aleixo.
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InfluĂªncia das mudanças climĂ¡ticas
AlĂ©m disso, o biĂ³logo acentuou tambĂ©m que as mudanças climĂ¡ticas influenciam processos de expansĂ£o e retraĂ§Ă£o da cobertura vegetal da Floresta AmazĂ´nica.
Dessa forma, essas aves enfrentaram um cenĂ¡rio crĂtico no interstĂcio que vai de 80 mil atĂ© 20 mil anos atrĂ¡s, quando houve uma reduĂ§Ă£o da Ă¡rea de mata fechada em decorrĂªncia da glaciaĂ§Ă£o.
De acordo com o pesquisador, jĂ¡ hĂ¡ estudos que apontam para mudanças drĂ¡sticas no regime de chuvas nessa Ă©poca, com estimativas que indicam uma queda de 40% a 60% no volume de precipitações.
Passado esse perĂodo, a Floresta AmazĂ´nica voltou a se expandir para atingir o formato como a conhecemos atualmente.
Com menos cobertura vegetal, as populações de Willisornis acabam se reduzindo e, consequentemente, apresentam taxas mais elevadas de cruzamentos entre parentes. Isso resulta em menor diversidade genética, explica Aleixo.
O que surpreendeu os pesquisadores, no entanto, foi a resiliĂªncia dessas aves, que demostraram capacidade de sobrevivĂªncia mesmo em uma situaĂ§Ă£o adversa.
O que vemos Ă© que a floresta Ăºmida se comporta como uma sanfona ao longo do tempo. Ela aumenta em perĂodos interglaciais e diminui em perĂodos glaciais. E isso deixa um impacto no genoma das espĂ©cies. Conforme a teoria genĂ©tica de populações, quando vocĂª tem populações que sĂ£o muito homogĂªneas, que nĂ£o sĂ£o tĂ£o diversas do ponto de vista genĂ©tico, elas tendem Ă extinĂ§Ă£o. Chama atenĂ§Ă£o que os Willisornis sĂ£o pĂ¡ssaros que nĂ£o migram, nĂ£o se deslocam muito. Eles tĂªm um raio de aĂ§Ă£o muito pequeno. E mesmo essas drĂ¡sticas reduções populacionais nĂ£o foram suficientes para extinguir a espĂ©cie.
A pesquisa mostrou que esse processo ocorreu em toda a extensĂ£o florestal, mas nĂ£o na mesma intensidade.
Assim, os nove pĂ¡ssaros que tiveram seus genomas sequenciados sĂ£o de diferentes localidades e foi observada uma variaĂ§Ă£o genĂ©tica bem mais limitada no sul e no sudeste da AmazĂ´nia.
De acordo com os pesquisadores, os resultados corroboram a tese de que essas regiões experimentam transformações mais significativas durante perĂodos secos, quando a floresta Ăºmida se converte em ambientes abertos, como cerrados.
Chamou atenĂ§Ă£o esse declĂnio maior no sul e sudeste. A gente sabe que mudanças climĂ¡ticas impactaram AmazĂ´nia, isso estĂ¡ consolidado na literatura cientĂfica. Mas nĂ£o existe ainda uma ideia muito clara de como cada setor se comportou. A gente consegue ver na nossa pesquisa que essa retraĂ§Ă£o florestal nĂ£o foi homogĂªnea em toda a extensĂ£o do bioma. Essa parte que fica bem na transiĂ§Ă£o entre a AmazĂ´nia e o Cerrado foi muito mais impactada do que as outras Ă¡reas, revela Aleixo.
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Foto: reproduĂ§Ă£o