As mudanças climáticas naturais ocorridas ao longo de milhares de anos na Amazônia influenciaram na genética de pássaros gênero Willisornis, conhecidos como rendadinhos ou formigueiros.
É o que aponta um estudo brasileiro que vinha sendo desenvolvido desde 2016 através da colaboração de diferentes instituições científicas. A informação é da Agência Brasil.
Dessa forma, os resultados foram descritos em um artigo publicado ontem (24) na revista científica Ecology and Evolution .
Trata-se de uma publicação internacional voltada para a divulgação de pesquisas em ecologia, evolução e ciências da conservação.
Apesar de tratar de eventos passados, os achados podem contribuir para a análise de possíveis efeitos do aquecimento global, fenômeno atualmente em curso impulsionado pela ação do homem no planeta.
Segundo a informação da Agência Brasil, o estudo foi coordenado pelo Instituto Tecnológico Vale – Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS).
Desse modo, criado em 2010 com sede em Belém, trata-se de um braço da mineradora Vale dedicada ao fomento da pesquisa científica.
Houve ainda envolvimento da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade de Toronto, no Canadá.
Segundo o biólogo Alexandre Aleixo, pesquisador do ITV-DS que liderou o estudo, os pássaros do gênero Willisornis são considerados bioindicadores naturais da Amazônia.
Significa que são seres vivos que podem ser utilizados para avaliar a qualidade ambiental do bioma onde vivem.
Os pássaros do gênero Willisornis só vivem próximos ao solo de floresta úmida. Eles não conseguem habitar em nenhum outro ambiente. Então eu posso dizer que a distribuição dele indica a presença de floresta úmida. Pode parecer redundante. Mas quando a gente olha para o contexto histórico e prova, através da pesquisa científica, que os Willisornis estavam presentes nessa região da Amazônia há 400 mil anos, temos um indicativo muito seguro de que a floresta também estava presente nesse lugar, naquele período , explica Aleixo.
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Estudo
O estudo envolveu o sequenciamento do genoma completo de nove pássaros, oito deles realizados pelos pesquisadores brasileiros e um por cientistas canadenses.
As informações contidas no DNA das aves passaram por uma análise. Modelos computacionais foram usados para compreender questões como a dinâmica do tamanho das populações e as relações de parentesco entre os indivíduos.
Aleixo explica que foi realizada uma análise coalescente, que permite obter um retrato retrospectivo da genética populacional.
É a mesma técnica usada nos testes de ancestralidade, que se popularizaram nos últimos anos na Europa e nos Estados Unidos e que também já existe no Brasil.
Por meio deles, é possível obter, a partir de uma amostra de saliva, informações do genoma de qualquer pessoa.
O teste irá mostrar as origens geográficas do DNA, indicando as regiões de onde vieram seus ancestrais, e pode revelar outras informações como o risco de desenvolver determinadas doenças. No Brasil, já existem empresas ofertando o serviço que prometem revelar o passado com base em dados de até oito gerações.
No caso dos Willisornis, a gente também buscou essa cápsula do tempo que está registrada no DNA e ela nos permitiu que a gente chegasse numa resolução de 400 mil anos para cá, para o genoma de cada indivíduo. A datação é amparada por vários estudos , explicou Aleixo.
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Influência das mudanças climáticas
Além disso, o biólogo acentuou também que as mudanças climáticas influenciam processos de expansão e retração da cobertura vegetal da Floresta Amazônica.
Dessa forma, essas aves enfrentaram um cenário crítico no interstício que vai de 80 mil até 20 mil anos atrás, quando houve uma redução da área de mata fechada em decorrência da glaciação.
De acordo com o pesquisador, já há estudos que apontam para mudanças drásticas no regime de chuvas nessa época, com estimativas que indicam uma queda de 40% a 60% no volume de precipitações.
Passado esse período, a Floresta Amazônica voltou a se expandir para atingir o formato como a conhecemos atualmente.
Com menos cobertura vegetal, as populações de Willisornis acabam se reduzindo e, consequentemente, apresentam taxas mais elevadas de cruzamentos entre parentes. Isso resulta em menor diversidade genética , explica Aleixo.
O que surpreendeu os pesquisadores, no entanto, foi a resiliência dessas aves, que demostraram capacidade de sobrevivência mesmo em uma situação adversa.
O que vemos é que a floresta úmida se comporta como uma sanfona ao longo do tempo. Ela aumenta em períodos interglaciais e diminui em períodos glaciais. E isso deixa um impacto no genoma das espécies. Conforme a teoria genética de populações, quando você tem populações que são muito homogêneas, que não são tão diversas do ponto de vista genético, elas tendem à extinção. Chama atenção que os Willisornis são pássaros que não migram, não se deslocam muito. Eles têm um raio de ação muito pequeno. E mesmo essas drásticas reduções populacionais não foram suficientes para extinguir a espécie .
A pesquisa mostrou que esse processo ocorreu em toda a extensão florestal, mas não na mesma intensidade.
Assim, os nove pássaros que tiveram seus genomas sequenciados são de diferentes localidades e foi observada uma variação genética bem mais limitada no sul e no sudeste da Amazônia.
De acordo com os pesquisadores, os resultados corroboram a tese de que essas regiões experimentam transformações mais significativas durante períodos secos, quando a floresta úmida se converte em ambientes abertos, como cerrados.
Chamou atenção esse declínio maior no sul e sudeste. A gente sabe que mudanças climáticas impactaram Amazônia, isso está consolidado na literatura científica. Mas não existe ainda uma ideia muito clara de como cada setor se comportou. A gente consegue ver na nossa pesquisa que essa retração florestal não foi homogênea em toda a extensão do bioma. Essa parte que fica bem na transição entre a Amazônia e o Cerrado foi muito mais impactada do que as outras áreas , revela Aleixo.
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Foto: reprodução