Amazônia: quem paga a conta da privatização dos rios e hidrovias?
Setor de transporte de cargas e passageiros reconhece possíveis melhorias, mas cobra poder público.

Wilson Nogueira, especial para o BNC Amazonas
Publicado em: 19/05/2024 às 22:00 | Atualizado em: 20/05/2024 às 04:57
A privatização dos rios brasileiros, impulsionada pela criação da Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação, acontecida em abril deste ano, gerou polêmica entre os usuários dos rios amazônicos.
A principal pergunta ainda sem resposta é:
Quem vai pagar a conta do investimento das futuras concessionarias?
A secretaria, vinculada ao Ministério dos Portos e Aeroportos, tem como desafio apressar as outorgas hidroviárias de concessão à iniciativa privada dos rios Madeira e Tapajós e hidrovias Amazonas/Norte, Araguaia-Tocantins, do rio Paraguai e Brasil-Uruguai.
O presidente do conselho de administração da Empresa de Transporte Rodoviário e Fluvial Bertolini, Irani Bertolini, reconhece que a medida tende a trazer mais investimentos em controle e melhorias nas condições de navegabilidade.
Também vai, segundo ele, aumentar a segurança em geral, tanto da embarcação quanto de tripulantes e usuários.
“Isso deve ser consequência de programas de dragagem regulares, sinalização das vias e o incremento de segurança policial”, disse.
No entanto, adverte Bertolini:
“Essas medidas devem ser papel do Estado, porque a privatização das hidrovias com pagamento de pedágios para as embarcações traria transtornos e aumento de custos”.
Quem pagaria, na opinião do empresário, seriam os produtores rurais que escoam a sua produção pelo arco norte e a já empobrecida população da Amazonia.
“Quase tudo que é consumido por aqui chega pelos rios”.
Por fim, ele é taxativo quanto à melhoria das hidrovias amazônicas:
“Precisamos do investimento do Estado brasileiro na Amazônia e não da cobrança de mais taxas que dificultarão ainda mais o desenvolvimento local”.
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Mais perguntas que respostas
“No atual modelo de privatização das hidrovias da Amazônia há mais perguntas do que respostas”, reage o vice-presidente do Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial do Amazonas (Sindarma), empresário Madson Nóbrega.
Ao sindicato estão associadas nada menos que 600 empresas de transporte que operam nos rios amazônicos. Elas são responsáveis pelo transporte de cargas, passageiros, produção agrícola e mineral e insumos entre as cidades amazônicas, a maioria isoladas da malha rodoviária do país.


O transporte de passageiros é dos que esperam melhorias
São quatro as principais perguntas do Sidarma:
- Haverá pedágio, como será o cálculo desse valor?
- Esses recursos (arrecadados) serão revertidos em sinalização, infraestrutura, dragagem dos rios quando necessário?
- Como ficará a segurança e as ações contra a pirataria?
- Qual será o futuro de ribeirinhos e comunidades tradicionais que utilizam os rios diariamente?
“São muitas as questões a serem esclarecidas para a sociedade”, afirma Nóbrega.
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Prevenção de acidentes
Entre os objetivos das hidrovias estão mais fluidez na navegação, redução de custos e segurança às embarcações e seus usuários.
Atualmente, o chamado arco norte, que compreende os portos principais de Itacoatiara (AM), Santarém e Vila do Conde (PA), Itaqui (MA) e Salvador (MA), é a principal rota de escoamento da produção de milho e soja do Centro-Oeste.
Assim, é crescente a movimentação de grandes embarcações nos rios Madeira e Amazonas, ainda sem sinalização e sem serviços de dragagem na vazante, quando surgem os bancos de areia – aluviões –, formados por sedimentos carregados pela correnteza.
Em razão de fenômenos dessa natureza, a falta de navegação segura tem paralisado o tráfego de comboios de balsas e barcaças que transportam grãos pelo rio Madeira desde Porto Velho, em Rondônia, nas vazantes atípicas.
Por isso, o Madeira, rio estreito e de fortes corredeiras, precisa de sinalização e dragagem permanentes, como recomendam os armadores e autoridades do setor.
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Grupo de pesquisa
Na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), o Grupo de Pesquisa e Tecnologias Navais e Sustentáveis, vinculado ao curso de engenharia naval, desenvolve pesquisa para propor alternativas à prevenção de acidentes na navegação fluvial.
O resultado preliminar sobre os acidentes no rio Madeira está disponível em artigo.
Foi verificado, por exemplo, que o acidente mais comum é abalroamento.
O tipo de embarcação com maior envolvimento é o empurrador com balsa (comboio).
A proposta do estudo é que seus resultados contribuam para planejar estratégias de prevenção de acidentes nos rios amazônicos.
Os dados apresentados no presente trabalho podem contribuir para planejar estratégias de prevenção de acidentes nos rios.
“Embora esses insipientes esforços, o curso de engenharia naval da UEA tem limitações significativas no acompanhamento das hidrovias amazônicas, incluindo a do rio Madeira”, reconhece o professor-doutor Eduardo Barreda, coordenador do curso.
Atualmente, o monitoramento do grupo de pesquisa é realizado, principalmente, com base na experiência e conhecimento dos estudantes, muitos dos quais são provenientes de cidades ribeirinhas ao longo do rio Madeira, segundo informa o coordenador.
Ele explica que o curso carece de laboratórios e recursos adequados para realizar expedições de campo para acompanhar, de forma mais efetiva, as hidrovias amazônicas.
“Essa falta de infraestrutura pode impactar a qualidade da formação dos estudantes e a capacidade do curso de engenharia naval de oferecer uma experiência acadêmica mais abrangente e prática em relação às hidrovias da região amazônica”, disse.
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Navio cargueiro é abastecido no terminal graneleiro no rio Amazonas
Movimento crescente
Os comboios e navios graneleiros que escoam a produção de grãos do Centro-Oeste se somaram ao vaivém dos empurradores de balsas carreteiras e contêineres, navios petroleiros, ferry-boat de passageiros e pequenas embarcações
A nova cena da navegação amazônica pode ser verificada, principalmente, no estreito de Breves, no delta do rio Amazonas, onde as embarcações dividem estreitos canais.
O comandante de empurrador de balsas Jerry Simas, com quinze anos de atuação na rota Manaus-Belém-Manaus, afirma que o balizamento dos rios Amazonas e Madeira dará mais segurança à navegação durante o ano todo.
“O tráfego fluvial aumentou bastante nos últimos anos”, confirma o comandante.
Para se precaver de acidentes, como encalhes em bancos de areia e abalroamentos, os comandantes dispõem de equipamentos de navegação por satélite e rádio.
Entre essas tecnologias de ponta estão o rádio de curta e longa distâncias, o radar, o sonar, o sistema de identificação automático (AIS, na sigla em inglês) e a carta náutica elaborada, de quatro em quatro anos, pela Marinha do Brasil.
“Esses equipamentos já permitem uma navegação mais segura”, confirma Simas.
Com isso, as tempestades constituem o principal risco de encalhamentos e abalroamentos, conforme o comandante.
Fotos: Wilson Nogueira e Aguinaldo Rodrigues/especial para o BNC Amazonas