Atos do Executivo abrem espaço para expulsão de índios de suas terras
Análise feita pela Folha e Instituto Talanoa também aponta que uma parte dessas medidas infralegais tentou mudar o entendimento da legislação

Diamantino Junior
Publicado em: 29/07/2020 às 06:42 | Atualizado em: 29/07/2020 às 06:42
O governo Bolsonaro acelerou a publicação de atos sobre meio ambiente durante os meses de maior crescimento da pandemia da covid-19 no país.
Levantamento da Folha em parceria com o Instituto Talanoa mostra que, entre março e maio deste ano, o Executivo federal publicou 195 atos no Diário Oficial — entre eles, portarias, instruções normativas, decretos e outras normas — relacionados ao tema ambiental.
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Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16 atos publicados.
Ou seja, o número de publicações neste ano é 12 vezes maior do que em 2019.
Os atos do Executivo, de forma geral, servem para direcionar o cumprimento das leis e complementar sua aplicação.
No entanto, a análise também aponta que uma parte dessas medidas infralegais tentou mudar o entendimento da legislação.
O resultado do levantamento vai ao encontro do que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu na reunião ministerial de 22 de abril, cujo teor veio a público em maio, após decisão do Supremo Tribunal Federal.
“Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa porque só se fala de covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, afirmou Salles no encontro.
Entidades ligadas ao meio ambiente e especialistas viram na declaração a confissão de que o ministro buscava, por meio de atos infralegais, desmontar as políticas ambientais previstas por lei — e cuja alteração, portanto, deveria passar pelo Poder Legislativo.
Reformas nocivas
A análise das principais decisões publicadas confirma a direção de desregulamentação.
Entre elas, estão decisões que repercutiram na imprensa e foram contestadas pelo Ministério Público Federal e pela Justiça, como a reforma administrativa do ICMBio, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação no país.
A reforma exonerou gestores especializados e centralizou a administração das unidades de conservação através de cargos ocupados por militares.
A decisão é alvo de inquérito civil público.
Por outro lado, a análise também revela “boiadas” que passaram despercebidas.
Um exemplo é a instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que regula o pagamento de indenizações no caso de desapropriação de propriedades localizadas no interior de unidades de conservação.
Em artigo que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, a instrução cria uma brecha que, na prática, facilita a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.
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Foto: BNC Amazonas