Bolsonaro e Guedes criam MP para ficar isentos por atos na pandemia

A MP livra de responsabilidade agente público sobre equívocos no combate à pandemia. Punição somente em caso de dolo ou erro grosseiro

Bolsonaro e Guedes criam MP para ficar isentos por atos na pandemia

Publicado em: 14/05/2020 às 13:12 | Atualizado em: 14/05/2020 às 13:17

O presidente Jair Bolsonaro editou uma Medida Provisória (MP) que livra de responsabilidade agente público sobre equívocos nas ações de combate à pandemia do novo coronavírus.

A MP foi publicada na madrugada desta quinta-feira (14) no “Diário Oficial da União”.

Em resumo, segundo a análise da revista Veja:

Jair Bolsonaro editou uma medida provisória que livra agentes públicos de punição por “ação e omissão” na batalha contra a pandemia.

A responsabilização só poderá acontecer se houver “dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados a medidas de combate ao coronavírus”, segundo o texto.

Isso significa que atitudes de Bolsonaro, como trocar a equipe da Saúde no meio da crise, estimular aglomerações ao participar de atos na quarentena e se omitir nas negociações de compra de EPIs não poderão ser usadas contra ele.

 

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A MP, que não deve ter vida fácil no Congresso, foi editada um dia após o STF divulgar três exames do presidente.

Feitos com pseudônimos, os testes mostraram que Bolsonaro não contraiu a covid-19.

 

“Canetada”

 

Além de Bolsonaro, assinam a MP o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner de Campos Rosário.

Por se tratar de uma MP, o texto já está em vigor.

A medida vai precisa ser aprovado pelo Congresso para não perder a validade.

O texto diz que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo (intenção de causar dano) ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:

  • enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e
  • combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.

A MP classifica como erro grosseiro: ação ou omissão com alto grau de negligência, imprudência ou imperícia

Mas ressalva que, na análise, deverá ser levada em conta uma série de fatores, entre eles “o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia” e de suas consequências, inclusive as econômicas.

Segundo a proposta, além do caso de erro grosseiro ou dolo, a responsabilização pela opinião técnica do agente público poderá se dar em caso de conluio, quando há uma combinação ou cumplicidade de mais de uma pessoa para promover um ato maléfico.

 

Ex-Controlador-Geral pede cautela

 

O ex-ministro da Controladoria-Geral da União Jorge Hage afirmou nesta quinta-feira (14) que é preciso “cautela” com a MP.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai realizar uma reunião na segunda-feira (18) para discutir o texto.

“É preciso que essa MP 966 seja analisada com muita cautela antes da sua aprovação pelo Congresso porque ela abre, talvez excessivamente, alguns conceitos muito vagos que são adotados do tipo de erro inescusável manifesto”, disse Hage.

Ele afirmou ainda que uma excessiva flexibilização nas regras para agentes públicos durante a pandemia pode gerar corrupção.

“A questão é o grau de flexibilização, até onde você vai, para que você não abra brechas que permitam tudo, corrupção, desvio. Num momento de crise como esse, isso é ainda mais grave do que em condições normais”, continuou o ex-ministro.

 

Psol reage

 

Na manhã desta quinta, pouco depois de a MP ter sido publicada, o PSOL protocolou uma ação pedindo a devolução do texto para o governo.

Segundo o PSOL, a MP “afronta” a Constituição no que diz respeito às responsabilidades do Estado.

“O alcance político e jurídico da gestão pública se condicionam na responsabilização objetiva administrativa e civil do Estado, tradição anterior à própria Constituição Federal de 1988”, afirmou o partido.

 

MP redundante

 

Segundo o jurista Eduardo Mendonça, a MP ressalta uma ideia que já está presente na lei: a de que o agente público só pode ser responsabilidade quando age com má-fé ou com culpa grave.

“Essa é uma questão importante, de preservação da segurança jurídica, para que haja previsibilidade em relação ao que é ou não exigido dos administradores em cada momento e para evitar a paralisia da cadeia de decisões”, afirmou o jurista.

 

Medida não isenta, diz professora

 

A professora Patrícia Sampaio, de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas, afirmou que a MP não isenta de responsabilidade os agentes públicos que agirem de má-fé.

“Me parece que não é uma carta branca para o malfeito, muito ao contrário, os erros grosseiros e os atos dolosos continuam sendo responsabilizados”, afirmou.

 

Inconstitucional

 

Para a especialista em direito administrativo Mônica Sapucaia, doutora em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, a MP deverá ser, “pelo menos parcialmente”, considerada inconstitucional.

“A regra (criada na MP) impossibilitaria a responsabilização de um servidor em processo administrativo ou cível quando a ação dele estivesse ligada ao combate à covid-19. Pelas normas brasileiras, isso não poderia ser feito, pois o agente público pode ser responsabilizado civil, penal e administrativamente pelos seus atos”, afirmou.

 

Bolsanoro pode querer se blindar

A constitucionalista Vera Chemin disse que, indiretamente, Bolsonaro pode estar tentando se proteger com a MP.

“É possível que, indiretamente, ele esteja tentando se proteger sim com a MP. Enquanto não perde o vigor ou é declarada inconstitucional, a MP continua válida e ela está deixando de responsabilizar os agentes públicos pelo que foi feito. E o Bolsonaro é um agente público, ele pode ser responsabilizado penalmente e por crime de responsabilidade pelos atos que comete”, afirmou Chemin.

A íntegra da MP

 

MP nº 966, de 13 de maio de 2020

Dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia dacovid-19.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:

  • I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia dacovid-19; e
  • II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia dacovid-19.
  • A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:
  • I – se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
  • II – se houver conluio entre os agentes.
  • O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.

Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:

  • I – os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;
  • II – a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;
  • III – a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
  • IV – as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e
  • V – o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.

Art. 4º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de maio de 2020; 199º da Independência e 132º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Paulo Guedes

Wagner de Campos Rosário

 

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Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República