Indígenas do Vale do Javari criticam transição de Lula

Organização lamenta não ter sido chamada pela transição para tratar da insegurança no vale onde Dom e Bruno foram mortos este ano

Indígenas do Vale do Javari criticam transição de Lula

Neuton Correa, da Redação do BNC AMAZONAS

Publicado em: 22/11/2022 às 05:48 | Atualizado em: 22/11/2022 às 05:49

Organização com articulação na mídia do país e com organismos externos, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) publicou ontem à noite uma nota pública sobre recentes ameaças sofridas por índios kanamary na região.

As ameaças continham aviso de que criminosos que atuam no vale teriam advertido indígenas que eles poderiam ter o mesmo fim de Dom e Bruno. O jornalista britânico e o indigenista brasileiro foram assassinatos este ano em Atalaia do Norte, onde atuam para proteger povos originários que vivem na fronteira.

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Sobre as novas ameaças, a nota da Univaja, intitulada “O Estado Brasileiro continua a se abster de suas responsabilidades no Vale do Javari”, tem como alvo o governo de transição de Lula, que prometeu criar o Ministério dos Povos Originários.

É que, no fim do documento, no qual lembram o caso Dom e Bruno, lamentam a falta de ação dos governos federal e estadual, ante ao relato dos kanamary, as lideranças da organização cutucam a equipe de transição, dizendo:

“A UNIVAJA não foi convidada para tratar desse assunto com o gabinete de transição, apesar de ter enfrentado só no enfrentamento desse contexto de retrocessos promovido pelo Governo Bolsonaro e termos perdidos três de nossos colaboradores num intervalo de dois anos seguidos”.

Leia o documento

NOTA DA UNIVAJA SOBRE OS KANAMARY

A Coordenação da Organização Indígena UNIVAJA-União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, vem informar aos nossos parceiros, indígenas e indigenistas, à imprensa nacional e internacional, sobre a situação, que ainda persiste, a respeito da ausência do Estado Brasileiro na Terra Indígena Vale do Javari, apesar da evidente necessidade de uma intervenção das autoridades responsáveis pela proteção ao meio ambiente, pela vida das populações indígenas e pela segurança pública nessa região fronteiriça. 

No último dia 17.11.2022 a Associação Kanamary do Vale do Javari (AKAVAJA), uma de nossas organizações de base, denunciou a ameaça sofrida por um grupo de 30 indígenas da etnia Kanamary (dentre eles, mulheres e crianças) o qual estava se deslocando pelo rio Itaquaí quando se deparou com uma equipe de invasores dentro da terra indígena. 

Os criminosos ambientais se encontravam numa localidade chamada “volta do Bindá”, no rio Itaquaí, com embarcações que estavam cheias de produtos ilegais, proveniente da caça e pesca predatória no interior da Terra Indígena. 

Na ocasião os invasores ameaçaram os indígenas Kanamary com arma de fogo, em específico contra uma de nossas lideranças indígenas dessa etnia, com o argumento de que aconteceria com ela o mesmo que ocorreu com os indigenistas Bruno Pereira e Maxciel pereira dos Santos, que foram assassinados na região por protegerem a vida dos indígenas. 

Tal atitude desses invasores só evidencia que, apesar das repercussões que o caso “Dom e Bruno” despertaram no Brasil e no mundo, os criminosos não recuaram de invadir a área indígena. Pelo contrário, os saques na reserva indígena continuam de forma preocupante, passando a ameaçar nossas lideranças usando a retórica daquele acontecimento infame como forma de intimidação.

Ademais, a própria inoperância e inércia das autoridades responsáveis, como FUNAI, Polícia Federal, IBAMA, MPF e Polícia Militar Ambiental são motivadores para que esses crimes que ameaçam à vida e ao meio ambiente sigam acontecendo de forma constante.

As providências que foram tomadas até agora pelo IBAMA e pela Polícia Federal no Vale do Javarí foram medíocres diante dos avanços de quadrilhas organizadas na região, as quais têm intensificado suas ações criminosas de forma muito mais eficaz do que as ações do estado. 

Diante dessa situação que ainda persiste, solicitamos que as autoridades executem um plano factível e possível, numa perspectiva de curto, médio e longo prazo, com atuações ostensivas, repressivas e preventivas no combate aos crimes que têm causado a destruição ao meio ambiente e vêm ameaçando nossas vidas. 

O Governo Brasileiro deve montar um grupo composto de integrantes da Polícia Federal, do IBAMA, da FUNAI, da Polícia Militar Ambiental do Amazonas, da FNSP e do Ministério Público Federal, sob um comando de uma única coordenação, atuando diretamente em Atalaia do Norte e nas Bases das Frentes de Proteção no rio Ituí, Jandiatuba e Curuçá, consecutivamente por um período de 24 meses. 

Da forma que vem sendo feito é paliativo e dispendioso, dando tempo suficiente para que essas quadrilhas se reestruturem e passem operar horas depois. Queremos que a equipe de transição do novo Governo Federal dê total prioridade à questão do Vale do Javari, inclusive constando nas programações de atividades do Governo já a partir de agora. 

A cada dia que passa tememos pela vida de nossas lideranças, algumas das quais tivemos de retirar da região, porém, a maioria continua atuando na sede do município e bastante vulneráveis. 

A UNIVAJA não foi convidada para tratar desse assunto com o gabinete de transição, apesar de ter enfrentado só no enfrentamento desse contexto de retrocessos promovido pelo Governo Bolsonaro e termos perdidos três de nossos colaboradores num intervalo de dois anos seguidos.

Terra Indígena Vale do Javari – AM, 21 de novembro de 2022. 

A Coordenação da Univaja

Foto: Divulgação/ABN