A pandemia do coronavírus (covid-19) tem ameaçado cada vez mais povos indígenas isolados da Amazônia, como, por exemplo, no Vale do Javari, no estado do Amazonas.
De acordo com reportagem de Joana Oliveira, para o El País , o território indígena a sudoeste do Amazonas, já tem pelo menos 16 registros de infectados, de acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio).
Nessa localidade vive a maior parte de etnias que preferem viver somente com membros da própria aldeia. Sobretudo, sem contato com outros grupos ou não indígenas.
Ali vivem ainda cerca de 7 mil índios de recente contato. Estes, portanto, tomaram a decisão de se aproximar entre 20 a 40 anos atrás.
A covid-19 chegou em 4 de junho, depois que quatro funcionários do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Vale do Javari comprovaram que estavam com a doença e foram removidos às pressas da aldeia de São Luís.
Um dia depois, os exames confirmaram que três indígenas kanamaris também estavam infectados.
De acordo com uma das lideranças locais, Higson Kanamari, a situação é assustadora. “Muitas famílias pegaram seus filhos e fugiram da aldeia, foram para a cabeceira do igarapé. E não sabemos nada mais deles, não sabemos se estão bem, se foram atendidos. Tem aldeia mais para cima que fez barreira para não entrar ninguém de fora e para ninguém sair”.
Segundo ele, de 9 a 10 de junho, 16 casos de covid-19 foram confirmados em duas aldeias vizinhas.
“A coisa está se alastrando muito rápido, e não temos suporte hospitalar perto da aldeia [mais de mil quilômetros distante de Manaus]. Temo pelos povos isolados da região, que são ainda mais vulneráveis”.
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Marubo
O povo marubo, que também vive no Vale do Javari, teme a aproximação da doença de suas aldeias.
Conforme o líder Paulo Kenampa, “os marubos já estão se preparando para adentrar mais a floresta”.
Além disso, o coordenador-geral da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) afirmou que o povo está construindo “casas mais no meio da mata para nos prevenir da covid-19 quando ela chegar perto”.
Kenampa foi um dos que denunciaram dois missionários norte-americanos que pressionaram membros da organização para conseguir autorização de entrada ao território, exigida pela Funai.
“O Estado tem que tomar providências, porque a atuação dos missionários aqui é muito forte, eles têm avião e viajam por cima das aldeias, dizem que no céu não tem lei, só na terra”.
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Parque Tumucumaque
Outro território que preocupa as lideranças ouvidas pelo El País é a terra indígena do parque de Tumucumaque, na remota fronteira do Amapá e do Pará com o Suriname. Nessa região vivem 1.700 indígenas de seis povos, com pelo menos dois registros de comunidades isoladas.
Os líderes denunciam que militares levaram o novo coronavírus para a região, onde há ao menos 23 infectados. Sobretudo, incluindo uma mulher grávida de cinco meses transferida em estado grave a Macapá.
Os dois primeiros foram de indígenas da aldeia Missão Tiriyó que trabalham em uma empresa terceirizada a serviço do 1º Pelotão Especial de Fronteira (1º PEF), onde atuam cerca de 50 militares do Exército e da Força Aérea Brasileira (FAB).
Em nota, o Ministério da Defesa diz que “não é possível afirmar, com segurança, a origem do contágio na região, sendo, contudo, muito pouco provável que seja a transmissão por militares da Força Aérea Brasileira”.
Repúdio
Para Dinaman Tuxá, da Apib, a situação dos povos indígenas “é de uma vulnerabilidade imunológica e política”.
De acordo com ele, “existem, no Brasil, 174 territórios em que vivem povos isolados. A Constituição determina que o Governo respeito o isolamento dos povos indígenas que vivem nessa situação, mas isso não acontece. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de autorizar a nomeação de um missionário para o departamento de povos isolados da Funai”, lamenta.
Foto: Gleison Miranda/Funai