João Pedro lança ‘Nossas utopias – a esquerda de Manaus em 13 atos’

Do velho baú, como diz em sua obra, o ex-senador tira histórias de sua vida e recortes da política nacional passados pelo AM

João Pedro e Leda Mara Livro Nossas Utopias

Neuton Correa

Publicado em: 06/05/2022 às 04:09 | Atualizado em: 06/05/2022 às 04:09

O livro Nossas Utopias – a esquerda de Manaus 13 atos (Valer) –, escrito pelo ex-senador João Pedro, será lançado, nesta sexta-feira, às 18h, banca do Largo, entorno do Teatro Amazonas. 

Em narrativa direta e franca com o leitor, João Pedro expõe testemunhos de acontecimentos marcantes da cidade de Manaus e do Brasil até agora desconhecidos da maioria da população.

“Espero que esta obra estimule o protagonismo da juventude na história política e social amazonense”, disse o escritor.

O livro revela como os amazonenses se articularam e agiram para ajudar o Brasil a derrubar o regime militar (1964-1985), e sustentar a democracia até os dias de hoje. 

Para o ex-senador, os jovens precisam se conscientizar da sua importância para o amadurecimento e fortalecimento da democrática, e para formulação de novas políticas públicas.

“Sem participação popular, sem juventude, não existe avanço na distribuição das riquezas e serviços do País”, explica. 

João Pedro, ex-senador pelo AM

“Foram os partidos políticos de esquerda, os movimentos estudantis, os sindicatos de trabalhadores, os artistas e os intelectuais, principalmente a partir das universidades, que se uniram nas ruas, nos parlamentos, nas ocupações de terras urbanas e rurais, e reconquistaram a liberdade roubada pelo regime militar”, disse João Pedro.

João Pedro acentua ainda que o livro é oportuno porque, neste momento, conquistas sociais dos setores mais pobres da sociedade brasileira já foram ou estão sendo corroída pelo atual governo, matriz ideológica é ultradireitista.

“O livro mostra que conquistas importantes, como direitos sociais e trabalhistas, foram desmontados para dar lugar ao trabalho precarizado e destituído de qualquer recompensa digna”, comentou.  

O autor disse que selecionou momentos vividos por ele e por outros protagonistas no decorrer de vinte e cinco anos. São registros de agendas, de cartazes de campanha eleitoral partidária ou sindical, panfletos de portas de fábricas, fotografias e muito material em fluxo de memória.   

A obra está organizada em capítulos que vão desde a sua participação no movimento estudantil, nas décadas de 1970 e 1980, passa pela atuação no parlamento municipal e estadual, até a Caravana da Cidadania (também conhecida como Caravana das Águas), a viagem de campanha do ex-presidente entre Manaus (AM) e Belém (PA), em 1994.

A esquerda em treze atos 

  1. Vindo para Manaus
  2. Nasce o bairro Zumbi do Palmares 
  3. Mercedes Sosa canta no palco do Teatro Amazonas 
  4. A caravana das águas
  5. A primeira Comissão Provisória do PC do B em Manaus
  6. Houve um engano 
  7. A primeira greve operária no Distrito Industrial de Manaus
  8. Bombas nas terras dos povos indígenas Sateré-Mawé
  9. Livraria Maíra
  10. As conquistas da meia-passagem de ônibus 
  11. O refúgio na casa de Deus
  12. Lula e Chico Mendes julgados pela LSN
  13. O rifle do professor

O autor também escolheu ao menos duas dezenas de fotografias que registram os momentos históricos abordados, resultado de pesquisa em seu acervo particular e na imprensa.

Zumbi dos Palmares, surge um novo bairro 

Após duas semanas de ocupação, em uma reunião de avaliação do processo, pela noite, com luz precária e a kombi com pequeno som, o movimento dos ocupantes começou a discutir o nome do novo bairro.

Em 1986 a Rede Globo exibia duas novelas que alcançaram grande sucesso – Selva de Pedra e Cambalacho. Seus personagens influenciavam em muito o imaginário do povo.

Logo, o debate esquentou e ganhou relevância para a definição do nome da nova comunidade.

A coordenação, toda de esquerda, comunista, se mostrava apreensiva com os rumos do debate.

O clima fez com que o calmo e respeitado professor de geografia Paulo Vicente, da Rede Pública Estadual, pedisse a palavra.

Ele destacou o histórico deste grande líder do Quilombo dos Palmares, no Estado de Alagoas, Zumbi ou Zumbi dos Palmares.

Convencida, a maioria aprovou a emblemática sugestão do professor alagoano, já falecido.

Dias depois, o movimento dos sem-teto, sob a coordenação da irmã Helena, chegou na área, decidido em ampliar e consolidar a ocupação.

Eram centenas de famílias sem moradia. Muitos foram os conflitos com a Polícia Militar e enfrentamentos contra os jagunços ligados ao Sr. Paulo Farias [grileiro], que atuavam fortemente armados.

Sessão de autógrafos do livro Mandato Aberto em atividade cultural, em São Gabriel da Cachoeira (AM)
Caravana das Águas

João Pedro é autor de outros dois livros: Mandato Aberto, a apresentação da sua plataforma de trabalho como senador; e uma coletânea dos principais discursos proferidos no plenário do Senado.

Esses livros foram encaminhados pelo seu gabinete para bibliotecas públicas e distribuídos em atividades culturais e políticas.

O prefácio da obra é da socióloga Marilene Corrêa, uma das pesquisadoras e pensadoras sociais mais respeitadas do Brasil.

Repercussão 

Ao ler o livro nos tornamos adolescentes dos anos sessenta, jovens universitários dos anos setenta, adultos e militantes de esquerda dos anos oitenta e, nos anos subsequentes que definiram a cidadania de amazonenses e brasileiros. Como João Pedro, a identidade de autoria vai nos unindo na leitura do livro, no qual o reconhecimento de pessoas, ativistas, agem sobre as contradições e as provocações do cotidiano, em um contexto no qual a ditadura militar não suportava qualquer manifestação de discordância, e a ordem autoritária era mantida com a mão de ferro sobre as instituições.

[…]

A apreensão do jovem João Pedro de todo esse dinamismo realiza-se pelo ângulo da luta estudantil, e a partir da interpretação dessa representação coletiva dá vida aos processos e aos sujeitos sociais. Assumindo-se como narrador, só em um momento, o da troca de partido, do PC do B para o PT, suas memórias o colocam na terceira pessoa. Escolhas políticas e estrategicamente comprometidas com um futuro próximo, o olhar do estudante faz-se em político hábil no momento especial da transição democrática. Deputado e vereador, João Pedro amplia sua luta com o coração de estudante batendo no peito. O movimento estudantil é descrito com riqueza de detalhes em pauta, lideranças, agenda, conexões locais e nacionais. Nomes, entidades e até divergências desfilam nas linhas e capítulos. Como aqueles antenados ao ritmo dos acontecimentos, porque também os produziam, os estudantes e suas lideranças escolhem o lado mais avançado da história para se posicionar.

[…]

Para mim, além de leitura de conteúdo imprescindível, o livro de João Pedro reacende outras memórias que se articulam coletivamente no imaginário político de uma geração que não desiste de sonhar, e por isso, não desiste de lutar, neste e em outros planos de intervenção por uma sociedade mais justa e humana, sem abrir mão da solidariedade e da igualdade, situação de busca permanente, por mais longínqua que possa parecer.

Marilene Corrêa, professora e pesquisadora da Ufam

“O livro revela uma trajetória política, também, de bastidores esmiuçada que, dificilmente, seria revelada sem a sensibilidade vive as suas escolhas. E João Pedro está disposto a compartilhá-la. Porém, não é a costumeira narrativa chata da prestação de contas de uma vida política pelo viés do “eu fiz, porque fiz” simplesmente. 

O material exposto nesse livro, em diversas linguagens, aponta para o compromisso do político com o seu tempo e suas inquietantes utopias. 

Wilson Nogueira, sociólogo, escritor