Nilson Chaves: ‘Somos todos amazônicos’
Artista propõe que nortistas se assumam como amazônicos e critica a segmentação da música regional.

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 05/07/2025 às 11:30 | Atualizado em: 05/07/2025 às 11:30
O cantor e compositor Nilson Chaves, um dos ícones da música brasileira, tem recomendado às plateias dos seus shows em estados da Amazônia que se identifiquem como amazônicos ao invés de adotar apenas a naturalidade dos estados da região.
Quando esteve em Manaus no dia 22 de junho deste ano, no Teatro Amazonas, no espetáculo “Na batida do remo”, o artista sugeriu:
“Tá na hora de respondermos que somos amazônicos quando nos perguntarem de onde somos”.
Segundo ele, é assim que reagem os nordestinos: “Somos do Nordeste!”.
Chaves, paraense, tem dezenas de composições entre as mais tocadas do país, com destaque para “Sabor açaí”, em parceria com João Gomes, que se tornou hino popular de Belém. Essa música é uma exaltação à força do açaí na cultura material e imaterial paraense.
O artista reforçou em Manaus que a Amazônia também pode se entrelaçar na sua diversidade cultural e geográfica e dialogar com expressões artísticas das demais regiões do Brasil.
É comum que ele cante nos seus shows músicas em parceria com compositores da Amazônia Legal, formada pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Amapá, Pará, Roraima, Tocantins e Maranhão.
O belenense é operativo na defesa da sociodiversidade amazônica e, por isso, está sempre presente na programação dos palcos dessa causa.
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Força identitária
O artista disse que seu apelo não é movimento político ou ideológico. Trata-se, sim, “da conscientização e entendimento que somos maiores quando somos amazônicos”.
Chaves lembra que, quando se pergunta para um cearense, paraibano ou baiano, de onde é natural, ele não titubeia em dizer: “Sou nordestino!”.
Para o artista, a naturalidade fragmentada enfraquece a compreensão de que a Amazônia é um dos biomas mais importantes do e para o mundo.
“Quando dizemos que somos paraenses ou amazonenses esquecemos que a nossa região se chama Amazônia; e que ela é a região mais cobiçada do mundo. Ainda não temos consciência da importância de sermos da Amazônia”.
A entrevista
O artista amazônico conversou com o BNC Amazonas. Confira:
BNC Amazonas – A identificação de quem nasce nos estados da Amazônia por amazônicos faz parte da sua trajetória artística?
Nilson Chaves – Na verdade, não fazia parte. Mas, a partir da década de 80, quando morava no Rio de Janeiro, comecei a me envolver objetivamente com a música dos cantores da Amazônia. Vale ressaltar que cheguei ao Rio em 1968.
Desde essa época, passei a ter vários parceiros amazônicos e passei a fazer shows no Pará, no Amapá, no Amazonas, em Roraima, no Acre, Rondônia, também em Tocantins e Maranhão, que fazem parte da Amazônia Legal. Isso acabou gerando uma percepção da importância da grandeza e da beleza da região amazônica.
BNC Amazonas – Qual é o significado das suas parcerias amazônicas para essa concepção de naturalidade?
Nilson Chaves – Quer dizer, claro, que sou da Amazônia, nasci no Pará, você é da Amazônia, porque nasceu no Amazonas, mas o fundamental é que somos amazônicos. E isso virou uma bandeira muito forte não só para mim, mas para todos aqueles compositores que citei [no espetáculo “Na batida do remo”]. Todos eles hoje assumem a questão amazônica.
BNC Amazonas – Qual é a sua opinião sobre a qualificação de gênero musical por estados?
Nilson Chaves – É um grande equívoco criar siglas para música de cada estado. Aqui no Pará, havia a música popular do Pará (MPP). Acho isso uma grande bobagem, porque, no momento em que crio a música popular paraense, afasto o Pará do Brasil.
Em Roraima não tem isso, em Rondônia também. Nem sabia que existia isso no Amazonas.
Enfim, existe música popular carioca (MPC), música popular paulista (MPP)? Não. Não existe. O que existe é música brasileira.
O que aqui levantamos são duas questões distintas: a de a gente se sentir amazônico e um ser amazônico; e a de que não há menor sentido em se transformar esse sentimento amazônico em música popular amazônica.
Particularmente, penso que fazemos uma música amazônica brasileira e, também, uma música brasileira amazônica. Ou fazemos uma música brasileira nordestina ou brasileira gaúcha.
Quando falo sobre ser amazônico, não estou falando só da música, fala de uma identidade muito mais ampla, muito mais profunda, para além da música ou da cultura especificamente.
BNC Amazonas – Fale-me sobre a inclusão da música de artistas paraenses na mídia nacional.
Nilson Chaves – A música paraense tem uma tradição cultural muito antiga, talvez mais antiga que a de todos os outros estados da região, mas isso não significa soberania; isso não significa que a música paraense que acontece no país seja específica do Pará. É uma música, me desculpem, de qualidade duvidosa, brega, tecnobrega e tecnomelody.
Esses são os gêneros musicais “do Pará” que estão acontecendo no Brasil. Particularmente, acho que é uma música de qualidade menor, mas essa é minha opinião, não tenho nada contra os companheiros que fazem isso.
Agora há uma necessidade do mercado brasileiro de buscar coisas novas em outros lugares etc., que é o caso desse momento da música paraense, quer dizer: agora o mercado se direcionou para a música paraense.
Isso é equívoco, porque temos a música da floresta, temos uma música ribeirinha, temos a toada do boi-bumbá amazonense, a música caribenha, indígena, roraimense, a música da Madeira-Mamoré, em Rondônia, a música do jalapão, em Tocantins.
Essas músicas específicas são que se transformam em música brasileira amazônica ou uma música amazônica brasileira.
Foto: Wilson Nogueira/ especial para o BNC Amazonas